É muito difícil conceituar um movimento histórico tão criativo e de amplas dimensões no tempo e no espaço como foi o Renascimento. Na verdade, não existiu um Renascimento, mas muitas experiências renascentistas que se manifestaram de diferentes formas nesse período. Os novos valores renascentistas atingiriam todas as áreas do conhecimento humano, em quase toda a Europa.
Os renascentistas gostavam de perceber o Renascimento como um momento de brusca ruptura que se opunha à Idade Média. Na realidade, o universo medieval era tratado por eles como um tempo obscuro cheio de irracionalidade e ignorância (a denominada Idade das Trevas). A visão de mundo que começava a alcançar muita presença no século XV tentava se opor ao mundo medieval, procurando retomar os princípios greco-romanos para fazer renascer a razão, o conhecimento e as artes.
Contudo, o Renascimento começou a se configurar, lentamente, na Baixa Idade Média, junto com a ampliação das atividades comerciais e urbanas. A partir do século XV, com a expansão marítima, o reforço dos Estados nacionais, a constituição das bases das línguas nacionais, o fortalecimento da burguesia, enfim, com o desenvolvimento do capitalismo, os novos valores humanistas e renascentistas consolidaram-se e propagaram-se rapidamente.
Nesse momento começava a surgir um homem (o burguês) com uma visão de mundo e de natureza bem diferente da do medieval, o que seria muito importante para questionar e superar o universo da Idade Média.
As origens do humanismo
As transformações gerais que ocorriam na Europa medieval tornavam cada vez mais necessária a atualização e dinamização do conhecimento. A partir desse movimento introduziu-se na formação educacional os "estudos humanos" (história, filosofia, retórica, matemática e poesia), que procuravam dar condições para o progresso e desenvolvimento humano. Os humanistas eram, então, as pessoas empenhadas na divulgação desses "estudos humanos". Nesse fato aparentemente simples existem dois elementos muito importantes para o desenvolvimento do humanismo:
• para se aprofundar nas disciplinas humanísticas era necessário retomar os autores, as temáticas e alguns princípios da Antiguidade Clássica, de modo geral esquecidos durante a Idade Média;
• os "estudos humanos", como o próprio nome já salienta, procurava centralizar e basear suas questões e análises no mundo concreto dos seres humanos e na realidade natural e social que os cercam; assim, as explicações sobre os seres humanos e a natureza deixavam de se basear em Deus, nos aspectos divinos e nos dogmas católicos, sem, entretanto, acarretar um rompimento definitivo com a religião católica, que continuava sendo hegemônica.
Por isso, costuma-se caracterizar o humanismo como um movimento antropocêntrico que glorificava o homem e a natureza humana (antropo = homem/ser humano; cêntrico = centro; ou seja, o homem e as coisas humanas são as medidas e o centro do universo), contrastando com o teocentrismo dominante na Idade Média, fundado no divino e no sobrenatural.
Essa nova forma de encarar os homens e a natureza implicou um conjunto de novos questionamentos e investigações, que por sua vez foram fundamentais para o desenvolvimento do comércio, das navegações, das novas invenções, da ciência, etc.
O movimento renascentista teve início na Itália devido, sobretudo, ao papel estratégico das cidades italianas no período da baixa idade média, e durante o renascimento comercial e urbano. Tais cidades articulavam as atividades comerciais com o Oriente, através do Mediterrâneo, e com o norte da Europa. As cidades portuárias que mais se destacavam eram Veneza, Nápoles e Génova; no interior predominavam Florença, Milão, Pisa, Turim, etc.
Durante esse período a Itália ainda não existia como nação unificada (isso só ocorreria no século XIX). Ela estava dividida em diversas cidades independentes que realizavam várias atividades mercantis de acordo com seus interesses específicos. A luta entre essas cidades pelo monopólio comercial gerou uma série de conflitos militares. Como não havia um exército unificado, a burguesia comercial mantinha suas cidades protegidas por exércitos mercenários, comandados pelos condottieri (chefes de tropas).
Aproveitando o período de instabilidade política, muitas famílias burguesas, e às vezes os próprios condottieri, articulavam golpes contra quem estivesse no poder: a ascensão das famílias Medici, em Florença, e Sforza, em Milão, são bons exemplos. Foi nesse clima político que Nicolau Maquiavel (1469-1527) escreveu O príncipe, um livro que trata das estratégias para conquistar e/ou manter o poder, que acabou se tornando um clássico da ciência política moderna.
Algumas dessas prósperas famílias burguesas mantinham e financiavam artistas, cientistas e homens de letras, em busca de reconhecimento, distinção e poder. A aristocracia italiana e a Igreja Católica seguiram esse exemplo. Tais protetores e financiadores ficaram conhecidos como mecenas. Tradicionalmente, costuma-se dividir o Renascimento italiano em três fases: Trecento (século XIV), Quattrocento (século XV) e Cinquecento (século XVI).
• Trecento — Também chamado por alguns de Pré-Renascimento. Este período reflete um momento de transição, em que conviveram elementos tradicionais da cultura medieval com os princípios humanistas renovadores. Na literatura italiana, Dante Alighieri, Petrarca e Boccaccio representam bem esse período transitório; na pintura destaca-se Giotto(1266-1337), considerado um precursor do Renascimento nas artes plásticas.
Quattrocento — Período de apogeu do Renascimento. Destaca-se nesse momento uma rica família de banqueiros, os Medícis, que assumiram o poder em Florença (1434). Coincidindo com o período de maior riqueza e poder político da cidade, os valores e as obras renascentistas desenvolvem-se rapidamente, sempre com apoio dos Médicis. Lourenço de Medici, por exemplo, criou a Academia Platônica de Florença. No final do século XVI uma revolta tirou os Médicis do poder, substituindo-os pelo frade Savonarola, que imprimiu características mais autoritárias à administração da cidade. Opondo-se aos ideais e à produção intelectual renascentistas, que marginalizavam as explicações divinas do ser humano e do mundo, Savonarola, com apoio da população, mandou quebrar e queimar quadros, livros e esculturas. Suas críticas também se dirigiam à Igreja Católica, antecipando a Reforma Protestante, e por isso foi excomungado. A partir desse momento, o centro da cultura renascentista transferiu-se para Roma.
Cinquecento — Neste período as obras artísticas renascentistas atingiram seu mais alto grau de elaboração. Na pintura destacam-se Leonardo da Vinci (1452-1519), Michelangelo (1475-1564;), Rafael (1483-1520) e Botticelli (1444-1510), que surgem como artistas representativos de todo o período renascentista. Da Vinci também colaborou muito para o desenvolvimento das realizações científicas da época, uma vez que explorou áreas como engenharia hidráulica, arquitetura, matemática, óptica, astronomia e biologia, entre outros campos do conhecimento.
Na literatura, o principal escritor foi o romancista e poeta Ariosto (1474-1533), que continuou as tradições de Petrarca, Boccaccio e Dante, dando um tom mais humanístico às suas obras. Maquiavel também se inclui neste período. Após este "período de ouro" iniciou-se a decadência do Renascimento italiano.
O Renascimento atingiu quase todas as regiões da Europa, sempre muito influenciado pelo Renascimento italiano, mas com características próprias de cada país.
• Países Baixos — As atividades comerciais e manufatureiras sempre estiveram presentes com muita força na região desde o final da Idade Média. Isso foi um fato determinante para o desenvolvimento do Renascimento, de um mercado de artes e artistas e do mecenato. Foi na pintura que o Renascimento flamengo se manifestou mais claramente. Robert Campin (1375-1444), Bruegel e os irmãos Jan (1390-1441) e Hubert (1366-1426) Van Eyck, entre tantos outros, foram os que mais se destacaram. Mas talvez venha da literatura seu intelectual mais conhecido, Erasmo de Rotterdam (1466-1536), em cuja obra principal (Elogio da loucura) criticou duramente a cultura medieval e a corrupção da Igreja Católica. França — O Renascimento francês foi menos vigoroso que o italiano e o flamengo. Os monarcas Luís XI e Francisco I foram autênticos mecenas, financiando e protegendo artistas e intelectuais. As realizações mais notáveis estão no campo da literatura, com François Rabelais (1494-1553), criador dos personagens Gargântua e Pantagruel, em livros que renovaram a prosa e criticaram a Igreja e o universo medieval, e na filosofia, com Michel de Montaigne (1533-1592).
Inglaterra — Aqui o Renascimento ocorreu tardiamente, no final do século XV, coincidindo com a centralização do Estado inglês. A música, a literatura e o teatro tiveram um desenvolvimento significativo na Inglaterra renascentista. Surgiram neste período vários tradutores das obras clássicas para o inglês. Um dos humanistas ingleses mais criativos foi Thomas Morus (1475-1535), autor de Utopia (1516), em que descreve as condições de vida de uma sociedade sem ricos e pobres, em uma ilha imaginária. Por problemas religiosos, ele foi preso e executado por ordem do rei Henrique VIII.
O pensador e filósofo Francis Bacon (1561-1626) começou a desenvolver o método indutivo e experimental e ainda serve de referência para a compreensão da ciência moderna.
Talvez seja no teatro que tenha surgido o mais notável homem de letras da Inglaterra: William Shakespeare (1564-1618). Considerado um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, apesar de algumas de suas obras criticarem os valores do cavaleiro e do mundo medieval e a falta de um rei poderoso, muitas vezes ele demonstrou aceitar a influência do imaginário popular da Idade Média, composto por bruxas, fantasmas, fadas e faunos.
Espanha e Portugal — O Renascimento na península Ibérica assumiu características especiais, sendo às vezes influenciado pelas artes mouras e pelo cristianismo.
Os renascentistas espanhóis mais importantes foram o pintor El Greco (1541-1614) e o escritor Miguel de Cervantes (1547-1616), autor de Dom Quixote de
O Renascimento científico: o nascimento da ciência moderna
Foi também nesse mesmo quadro de profundas transformações que a ciência moderna lançou suas bases fundamentais. Abandonando as explicações sobrenaturais típicas da Idade Média, os renascentistas procuravam análises mais racionais, isto é, a razão humana, e não a revelação divina, deveria explicar a realidade.
Para chegar a uma explicação racional das coisas era necessário um método científico de observação, coleta de dados e criação de hipóteses, que deveriam ser testadas por meio de experimentações. Como se vê, o racionalismo e o experimentalismo foram as bases do conhecimento científico no início dos tempos modernos e até hoje são referenciais importantes para a ciência.
O polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a teoria heliocêntrica — a Terra e os outros astros giram em torno do Sol, que é o centro do universo — em oposição à geocêntrica — na qual a Terra era o centro do universo —, defendida pela Igreja Católica. Um contemporâneo de Copérnico foi Giordano Bruno, que levou suas teorias para a Itália, além de assumir posições panteístas (só existe o universo real, e Deus faz parte dele como uma síntese de tudo). Por assumir posições totalmente opostas às da Igreja Católica, foi condenado pela Inquisição e queimado vivo.
Johann Kepler (1571-1630) deu continuidade às ideias de Copérnico e demonstrou que as órbitas dos planetas não eram circulares mas elípticas.
O italiano Galileu Galilei (1564-1642) é considerado o pai da física moderna. Ele defendia a idéia de que qualquer conhecimento científico deveria seguir um método e ser comprovado experimentalmente. Também foi muito perseguido pela Igreja e obrigado a rever suas posições.
Nenhum comentário:
Postar um comentário