• as heresias, que contestavam certos dogmas da Igreja Católica e por isso foram duramente perseguidas;
• as ordens mendicantes, correntes internas que questionavam a preocupação da Igreja com as questões materiais;
• as reações da própria Igreja para combater esses movimentos, principalmente a reforma gregoriana (do papa Gregório VII, na primeira metade do século XI) e a instituição da Santa Inquisição, no século XIII.
A partir do século XV, as críticas à Igreja Católica retornaram, ganhando muita forca no século XVI. Os conflitos e as diferenças dentro da Igreja tornaram-se tão intensos nesse século, que acabaram gerando uma cisão na cristandade por meio da Reforma Protestante.
Alguns fatores gerais
No século XV, com as profundas transformações que ocorriam na Europa (a expansão marítima, o renascimento urbano e comercial e o humanismo/Renascimento), os movimentos que questionavam o excessivo comprometimento da Igreja Católica com os problemas mundanos e materiais ganharam mais espaço e força para se desenvolver.
Dois fatos colaboraram muito para agravar ainda mais a situação da Igreja ao longo dos séculos XV e XVI:
• a crescente onda de corrupção com a venda de indulgências, relíquias religiosas e cargos eclesiásticos importantes, bem como a concubinagem do clero;
• os abusos políticos cometidos pelo papa (autoridade máxima da Igreja), que, mesmo perdendo poder para as monarquias nacionais, enfraquecendo-se, envolvia-se em acordos e golpes políticos com o objetivo de universalizar sua influência na Europa católica.
A Igreja tornava-se cada vez mais vulnerável tanto no aspecto moral quanto no religioso. As insatisfações generalizavam-se por toda a Europa.
A burguesia estava insatisfeita porque seus interesses chocavam-se com as posturas da Igreja, como, por exemplo, a condenação da usura (lucro proveniente de juros exagerados) e da cobiça (desejo de possuir bens materiais e poder). Os Estados nacionais (ou o rei) queriam limitar os poderes temporais da Igreja nas suas fronteiras. O fiel de origem humilde via a Igreja defendendo a exploração feudal e não encontrava nela o apoio espiritual de que tanto precisava naquela época de crise.
No aspecto teórico, o Renascimento foi muito importante, uma vez que, de acordo com sua postura antropocentrista, valorizava o homem e sua individualidade e ainda o espírito crítico do intelectual e cientista. Isso contribuiu muito para uma aproximação entre fé e razão e para a revisão de atitudes religiosas, como a idéia de que a interlocução com Deus poderia ser individual, sem a mediação do clero; ou ainda que a interpretação da Bíblia deveria ser livre e pessoal.
Gradativamente foram sendo criadas na Europa condições para o surgimento de religiões mais adaptadas ao espírito capitalista.
Nesse quadro de insatisfações surgiram os primeiros reformistas: o inglês John Wycliffe, professor da Universidade de Oxford, já defendia (entre o final do século XIV e o início do XV) a livre interpretação da Bíblia, o fim dos impostos clericais e questionava a existência da hierarquia eclesiástica.
O checo John Huss, professor da Universidade de Praga, foi um seguidor das ideias de Wycliffe. Ele defendia, nessa mesma época, a utilização das línguas nacionais nos cultos religiosos, em vez do latim; chegou até a traduzir a Bíblia para seu idioma, o que era um sacrilégio. Foi condenado pela Igreja em 1417 e morto na fogueira.
Essas primeiras iniciativas não tiveram muita repercussão, ficando restritas às igrejas de seus países, o que não ocorreu com os reformadores seguintes.
No século XVI, a Alemanha não era como a conhecemos hoje; ela fazia parte de um império mais extenso, o Sacro Império Romano-Germânico. Esse Império estava dividido em diversas regiões independentes, os principados. Logo, o poder estava descentralizado nas mãos dos príncipes (a centralização do Estado alemão só viria a ocorrer no século XIX), que comandavam todas as ações na sua região.
O Sacro Império e a Igreja Católica disputavam o poder na região, produzindo alguns conflitos. Grande proprietária de terras, a Igreja alemã continuava vinculada ao mundo feudal, explorando os camponeses e impedindo o desenvolvimento do comércio e, conseqüentemente, da burguesia. Além disso, em razão da sua grande força nas questões temporais, a corrupção e a decadência moral da Igreja assumiam grandes proporções na Alemanha. A sociedade, de maneira geral, a via de forma muito negativa.
Por isso, em outubro de 1517, o monge agostiniano (portanto, membro da Igreja Católica) e professor universitário Martinho Lutero (1483-1546) afixou na porta da catedral de Wittenberg noventa e cinco teses em que denunciava e protestava contra a venda de indulgências.
O papa, na época Leão X, exigiu sua retratação, o que não ocorreu, prolongando o conflito por cerca de três anos. Finalmente, em 1520, Lutero foi excomungado pelo papa. Para demonstrar sua insatisfação, ele queimou em público a bula papal que o condenava. Em virtude de seu radicalismo, Lutero foi proscrito do Império. No entanto, o príncipe Frederico da Saxônia o acolheu em seu castelo.
Protegido no castelo, Martinho Lutero traduziu a Bíblia do latim para o alemão (o que era proibido na época) e desenvolveu três ideias básicas do luteranismo:
• "Só Deus." Rompendo com um princípio básico do catolicismo, afirma que não deve haver intermediação entre o homem de fé e Deus. Essa diretriz retirava da Igreja e seus quadros a autoridade sacra; portanto, a hierarquia eclesiástica e o papa não tinham importância nenhuma.
• "Só as Escrituras." A Igreja não é a única capaz de interpretar a Bíblia. Segundo Lutero, todo homem de fé teria a capacidade de compreendê-la e interpretá-la, daí a necessidade de traduzi-la para as línguas populares.
• "Só a fé salva." Novamente a estrutura e a autoridade eclesiásticas são questionadas. Ninguém tem a delegação da justiça divina, seja para punir, perdoar ou dar a graça, apenas Deus e os homens de fé que acreditam nisso. O fiel jamais teria certeza da salvação de sua alma após a morte. Tudo o que podia fazer era manifestar sua fé.
Além disso, ele afirmava que as obras, santos e sacramentos tradicionais da Igreja Católica de nada serviam. Apenas dois dos sete sacramentos da Igreja tinham validade: o batismo e a eucaristia.
As ideias da Reforma Luterana espalharam-se pelo Sacro Império Romano-Germânico e provocaram diversos conflitos sociais, políticos e religiosos.
Alguns nobres apropriaram-se de terras da Igreja, pela conversão ao luteranismo; outros, decadentes, atacaram violentamente, em 1522 e 1523, principados católicos (a Revolta dos Cavaleiros) para se apoderar de suas riquezas. Houve reação dos católicos, que impediram e esmagaram a revolta.
Esses conflitos armados motivaram a organização de camponeses e trabalhadores urbanos envolvidos na Revolta dos Cavaleiros. Liderados pelo sacerdote luterano Thomas Munzer, esse movimento foi profundamente influenciado pelo anabatismo.
O anabatismo era uma corrente reformista mais radical; rejeitava qualquer sacerdócio, já que Deus se comunicava diretamente com os eleitos, combatia a riqueza, a miséria e a propriedade privada e pregava a igualdade social. Por causa desses princípios, o anabatismo era muito divulgado entre a população mais pobre e deu um tom revolucionário às revoltas.
Temendo o desenvolvimento das revoltas populares, nobres e burgueses, católicos e luteranos (com a concordância de Lutero) uniram-se para combater o inimigo comum. Em 1525, um grande exército marchou contra os revoltosos, eliminando cerca de cem mil pessoas e decapitando o líder Thomas Munzer.
Com o fim das revoltas populares, as nobrezas católica e luterana voltaram a se enfrentar, lutando por terras e poder. O imperador Carlos V, fiel à Igreja, procurou por fim às agitações convocando, em
A nobreza luterana organizou uma Liga militar (Liga de Esmalcalda), para combater os exércitos imperiais. As lutas estenderam-se até 1555, quando foi assinada, pelo novo imperador Fernando I, a paz de Augsburgo. Este tratado de paz reconheceu a divisão religiosa da Alemanha e determinou que o povo de cada principado deveria seguir a religião de seu príncipe.
Com o fortalecimento do luteranismo na Alemanha, ele começou a influenciar os países escandinavos (Suécia, Dinamarca e Noruega). Todos os reis dessa região se converteram ao protestantismo, determinando o fim da influência católica nesses países.
Na França, antes da forte influência luterana, alguns humanistas haviam tentado realizar uma reforma religiosa mais pacífica, mas não alcançaram nenhum sucesso. O catolicismo nesse país era bastante forte e tinha o apoio da monarquia.
As ideias de Lutero continuavam se espalhando pela Europa. Na França, um estudioso das artes liberais e de Direito chamado João Calvino (1509-1564) aderiu à reforma religiosa pregada por Lutero. O reformismo de Lutero tornou-se mais radical nas concepções de Calvino:
• o homem, um pecador por essência, só podia se salvar pela fé;
• Deus é transcendente (superior, acima do mundo real) e incompreensível; Ele só revelou aquilo que quis revelar através das Escrituras;
• a predestinação divina absoluta já destinava o futuro do homem à salvação ou à condenação.
Perseguido, Calvino refugiou-se na cidade suíça de Genebra, em
Apoiado pela burguesia local, Calvino desenvolveu suas ideias e deu um novo vigor militante ao reformismo. Ele pregava a valorização do trabalho, pois somente este traria sucesso material, considerado uma espécie de predestinação divina; dizia que o enriquecimento era uma graça de Deus e a pobreza uma condenação; não condenava o empréstimo de dinheiro a juros, como a Igreja Católica fazia.
Por isso, Calvino acumulou força política e assumiu o governo da cidade. Governando como um autêntico déspota, sua administração impôs rígidos costumes morais: proibiu o jogo de cartas, a dança e o teatro.
Como suas ideias iam diretamente ao encontro das necessidades burguesas de acúmulo de capital e de valorização do trabalho, o calvinismo se espalhou rapidamente pela Europa. Na Escócia foi organizada a Igreja Presbiteriana, inspirada no calvinismo; no norte dos Países Baixos (Holanda), originou-se o movimento dos puritanos, que se difundiu para a Inglaterra e para a França, onde, apesar das resistências, assumiu uma face mais radical com os huguenotes.
A Reforma na Inglaterra teve um caráter bem original.
A Igreja Católica, ao mesmo tempo que era muito rica em terras, dependia da proteção do Estado. Henrique VIII, rei da Inglaterra, condenou, a princípio, o ideário luterano e perseguiu seus seguidores, sendo condecorado pela Igreja como "Defensor da Fé".
Entretanto, o rei pretendia assumir as terras e as riquezas da Igreja Católica e, assim, enfraquecer sua influência. A justificativa para concretizar o cisma foi a recusa do papa em dissolver o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, que não podia lhe dar um filho herdeiro (o que criaria problemas políticos de hereditariedade no Reino). O rei não recuou diante da recusa da Igreja e casou-se novamente com Ana Bolena, sendo excomungado. Henrique VIII repetiria o ato, de acordo com seus interesses políticos, casando-se seis vezes.
O rompimento oficial deu-se em 1534, quando o Parlamento inglês aprovou o Ato de Supremacia, que colocava a Igreja sob a autoridade do rei. As propriedades da Igreja Católica passaram às mãos do rei e da nobreza. Todos os dogmas da Igreja Católica foram mantidos, exceto a autoridade papal, que devia se submeter à do rei. Nascia, assim, a Igreja Anglicana, gerando insatisfação entre católicos e protestantes. Portanto, as razões da separação entre o Estado e a Igreja não eram religiosas, mas políticas e econômicas.
Após a morte de Henrique VIII, assumiu o trono seu filho Eduardo VI, que morreu logo em seguida, ainda criança. Ele foi sucedido por Maria Tudor, filha de Catarina de Aragão; católica, perseguiu os protestantes durante todo seu reinado (1547-1558), gerando vários conflitos político-religiosos. Nesse clima tenso assumiu o trono Elizabeth I, filha de Henrique VIII com Ana Bolena. Nesse período (1558-1603), a Inglaterra alcançou a paz religiosa, e o anglicanismo ganhou uma face mais definida, misturando elementos do ritual católico com os princípios da fé calvinista.
Contra-Reforma Católica
A Reforma Protestante implicou mudanças sociais e políticas em toda a Europa. Com a crise da Igreja Católica, a maioria das populações do centro e do norte da Europa convertia-se ao protestantismo, principalmente porque ele se ajustava melhor ao universo do capitalismo
A Igreja Católica cada vez mais perdia espaços no quadro geopolítico europeu, além de sofrer pesadas perdas de fiéis. Procurando impedir o avanço da Reforma Protestante, ela realizou sua própria reforma, baseada nos padrões mais tradicionais do catolicismo, o que ficou conhecido como Contra-Reforma.
A Igreja tentaria combater o protestantismo e restaurar a hegemonia do catolicismo por meio da doutrina ou da força. Para alcançar tal objetivo, a Igreja precisou tomar algumas atitudes:
• A reativação da Inquisição, ou Tribunal do Santo Ofício. A Inquisição foi criada no século XIII para julgar e punir os hereges. Ela reassumiu esse papel, no século XVI, e obteve muita força nas monarquias católicas de Portugal e Espanha, que usaram a Inquisição para perseguir principalmente os judeus; estes transferiram-se em grande número para os Países Baixos ou se converteram (os cris-tãos-novos).
• A criação da Companhia de Jesus, em 1534, por Inácio de Loyola, com o objetivo de divulgar o catolicismo, principalmente por meio da educação. Organizados em moldes quase militares, os jesuítas foram muito importantes para a defesa do catolicismo e sua propagação na América e na África. Nesses dois continentes recém-colonizados, eles conseguiram um grande espaço para o catolicismo pela educação e catequização dos indígenas (é o caso de lembrar aqui dois destacados jesuítas na catequização dos índios brasileiros, José de Anchieta e Manoel da Nóbrega).
No campo doutrinário, o papa Paulo III organizou o Concílio de Trento (1545-1563) para definir quais as novas posturas católicas. De forma geral, todos os dogmas e sacramentos condenados pelos protestantes foram reafirmados nesse Concílio.
• Foi criado o índice dos Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum), em 1564. Tratava-se de uma lista de livros proibidos elaborada pelo Tribunal do Santo Ofício. Toda obra impressa deveria passar pela análise do Tribunal, que o "recomendava" ou não aos católicos. Na realidade, a Igreja estava censurando obras de artistas, cientistas, filósofos e teólogos. Um cientista que teve suas obras reprovadas foi Galileu Galilei.
• Foi reafirmada a infalibilidade do papa, defendendo sua autoridade sobre todos os católicos.
• As obras e sacramentos foram mantidos como fundamentais para a salvação da alma.
• Foram criados seminários para a formação intelectual e religiosa dos padres.
• Foi proibida a venda de indulgências e relíquias eclesiásticas.
• Foi mantido o celibato clerical (proibição do casamento de padres e freiras).
Como se vê, a Contra-Reforma mantinha-se dentro da tradição. Tal postura acabou produzindo intolerância religiosa de ambos os lados, acirrando os conflitos entre católicos e protestantes por toda a Europa.
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