quarta-feira, 16 de abril de 2008

A EXPANSÃO MARÍTIMA E COMERCIAL

Durante os séculos XV e XVI, o continente europeu experimentou profundas trans­formações. Desde o século XI a Europa feudal passava, lentamente, por mudanças que atingiam todas as esferas da vida dos homens — as relações políticas, econômicas, culturais, religiosas e sua própria visão do mundo. No século XV, o sistema feudal e o universo medieval estavam em franco colapso, e o capitalismo estava dando seus passos iniciais.

As dificuldades com a mão-de-obra servil criaram possibilidade de crescimento da mão-de-obra livre e assalariada e do arrendamento de terras (for­mando pequenas propriedades rurais) em algumas regiões da Europa. As primeiras formas mais organizadas de expansão da navegação marítima, ligan­do o sul ao norte da Europa através do Atlântico, desenvolveram-se rapidamente após esse período de crise, a partir do sé­culo XV. Isso contribuiu para criar a pos­sibilidade de surgimento de novos centros comerciais, por exemplo, em Sevilha e Lisboa. Como já vimos, o controle dessas rotas era, no Me­diterrâneo, das cidades italianas (Gênova e Veneza), e, no norte da Europa, das ci­dades de Flandres.

Além das atividades comerciais, das novas classes sociais e do trabalho assala­riado, outro elemento que saiu fortalecido da crise do século XV foi a monar­quia centralizada. O enfraquecimento da nobreza feudal e o apoio da burguesia ao rei foram determinantes para a centrali­zação política por meio da monarquia.

Mas qual o interesse da burguesia em apoiar o rei?

A monarquia, na realidade, não significa­va naquele momento apenas a unificação po­lítica e jurídica, mas sobretudo a unidade de moedas, de impostos, de leis e normas, de pesos e medidas, e fronteiras legais. Com a instituição da monarquia centralizada, os mercados internos estariam definidos e a economia internacional parcialmente organizada.

E qual o interesse do rei?

Para o rei conseguir unificar seu reino e controlá-lo de forma permanente, ele ti­nha de lutar ao mesmo tempo contra os in­teresses locais dos senhores feudais e a autoridade e posturas universalistas da Igre­ja Católica. Por isso, era preciso montar um forte corpo burocrático (funcionários de alfândega, arrecadadores de impostos, juizes, diplomatas e administradores) e mi­litar (exército e marinha). As grandes casas comerciais já possuíam alguma experiência com a burocracia nacional e internacional, além do dinheiro para financiar o Estado.

Por isso, em diversos países a monar­quia colaborou na criação das Companhias Comerciais, concedendo-lhes monopólios sobre determinados produtos ou a exclusi­vidade de certas regiões, e desenvolveu uma política econômica protetora dos interes­ses burgueses, o mercantilismo.

Todavia, é preciso lembrar também que a nobreza apoiou a monarquia centralizada, be­neficiando-se diretamente de sua estrutura. Usufruindo os cargos e funções importantes ou honoríficas, a nobreza obtinha facilidades políticas e comerciais, além de concessões tribu­tárias, constituindo um segmento privilegiado dentro da estrutura do Estado.

Entre o desejo e a necessidade dos euro­peus de se lançarem à expansão marítima e sua real capacidade de realizá-los, existia uma distância muito grande.

Eles não conheciam os oceanos, não pos­suíam embarcações e instrumentos náuticos adequados para a navegação em mar aber­to, tinham conhecimento cartográfico pre­cário e não sabiam da existência de alguns continentes (América) e a dimensão real de outros (África e Ásia).

Mesmo com o relativo desenvolvimen­to científico da época proporcionando avan­ços técnicos (como o melhor uso da bússola, do quadrante, do astrolábio e da cartogra­fia) e a construção de instrumentos (como a luneta astronômica de Galileu e o relógio mecânico) que favoreciam as viagens marí­timas, estas continuaram verdadeiras aven­turas, cobertas de medo, mitos e lendas.

Qualquer viagem demorava meses, e as condições reais de sobrevivência nas em­barcações eram precárias e sempre povoa­das pelo temor do desconhecido.

Para esses numerosos viajantes, os ocea­nos e as terras desconhecidas estavam re­pletos de mistério, mitos e, às vezes, possibilidades de nova vida. A maioria das lendas e dos mitos foram criados e vei­culados ao longo da Idade Média, receben­do, por isso, forte influência da religião católica. Era muito forte na época, por exemplo, a ideia da existência de um paraí­so (ou Éden) criado por Deus, perdido em terras desconhecidas. Colombo chegou a acreditar que o havia encontrado, quando aportou no "Novo Mundo".

Havia também a lenda do Eldorado, ou seja, a terra repleta de prazeres e riquezas, onde quase tudo era feito de ouro: os con­quistadores espanhóis acharam que o ha­viam encontrado nas terras dos astecas e incas, em razão da abundância de ouro e prata. Na realidade, essas navegações também serviram para o homem alargar seus hori­zontes, desenvolver e acumular conheci­mentos. Isso modificou profundamente a visão e a compreensão do homem sobre si mesmo e o planeta.

As Grandes Navegações

A necessidade cada vez maior de obter matéria-prima para manufaturados e moedas levou os europeus a partirem para a navegação marítima, buscando novas rotas comerciais.

Os primeiros países a se lançarem na expansão marítima em busca de ampliação das atividades e das rotas comerciais foram Portugal e Espanha, seguidos pela Inglaterra, França e Holanda. Diversas razões de­terminaram o pioneirismo dos países ibéricos (Espanha e, principalmente, Portugal) na expansão marítima:

a) a localização estratégica da península Ibé­rica, voltada para o Atlântico, possibilitou que Lisboa, Porto, Sevilha e outras cidades da península se estruturassem como centros comerciais importantes durante o século XV;

b) isso significa que nesses dois países já existia uma burguesia ligada ao comér­cio, relativamente organizada e com pro­fundos interesses na expansão comercial;

c) a monarquia centralizou o poder na Espanha e em Portugal antes que em qual­quer outro país europeu, principalmente devido à guerra de Reconquista (contra os árabes-muçulmanos) entre os séculos XI e XII e pelas especificidades do feudalismo na península — a aliança, especialmente em Portugal, entre a incipiente burguesia comercial e a monarquia também foi ante­rior a qualquer outro país da Europa;

d) finalmente, a burguesia, apoiada pelo Estado, financiou uma série de estudos náuticos, astronômicos, cartográficos e também apoiou a construção naval.

Com a morte de D. Henrique (1460), as conquistas portuguesas no litoral afri­cano cessaram. As áreas ocupadas foram consolidadas com a organização de nume­rosas feitorias (entrepostos comerciais) e fortalezas, que asseguraram para Portugal o monopólio da região. Com o tempo, es­ses pequenos núcleos começaram a dar lu­cros, pois dali eram retirados marfim, ouro e escravos.

Sob o reinado de D. João II (de 1481 a 1495), a Coroa portuguesa iniciou os pre­parativos para alcançar os mercados india­nos através de uma rota costeando o litoral africano (o "Périplo Africano"). Diversas viagens foram realizadas com o objetivo de contornar a África para atingir as índias. As expedições portuguesas sempre seguiam em direção ao sul, para chegar aos limites do continente africano.

Em 1487-1488, o navegador Bartolomeu Dias chegou ao fim dessa etapa contornando o cabo da Boa Esperança, no extremo sul do con­tinente. Assim, ele alcançou a costa oriental da África e abriu definitivamente a possibilidade de uma nova rota para as índias.

Todavia, em 1492 o navegador Cristó­vão Colombo, em nome da Coroa espa­nhola, descobriu novas terras (o continente americano), que foram erroneamente con­sideradas como parte da Ásia. Esse fato preocupou Portugal, que temia, no futu­ro, o poder da Espanha nas índias e a per­da do monopólio da rota africana para aquela região.

O possível conflito entre as duas Coroas foi resolvido após algumas negociações, em 1494, com o Tratado de Tordesilhas, que estabelecia as áreas de domínio de cada país. O marco de separação ficou estabe­lecido a 370 léguas a ocidente do arquipé­lago de Cabo Verde (no oceano Atlântico): a leste do meridiano, o monopólio das ro­tas de navegação e as terras seriam de Por­tugal e a oeste, da Espanha.

Somente dez anos depois, seguindo pela mesma rota de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama chegou a Calicute, Índia, estabele­cendo a rota marítima para as índias (1497-1498) através do continente africano.

O sucesso de Vasco da Gama permitiu a Portugal lutar concretamente pela hege­monia comercial nas índias. Para tanto, a Coroa organizou a maior e mais bem equi­pada frota que já saíra de portos lusitanos em direção ao Oriente: a esquadra comandada pelo capitão-mor Pedro Álvares Cabral.

Durante a viagem, algumas caravelas "distanciaram-se" do litoral africano, le­vando Cabral a aportar no Brasil em 22 abril de 1500. Em 2 de maio, ele partiu do litoral baiano para Calicute (Índia). Lá che­gando, bombardeou a cidade e iniciou o do­mínio lusitano no comércio oriental.

A Espanha começou sua ex­pansão pelo Atlântico com cer­to atraso em relação a Portugal, principalmente devido ao pro­longamento da guerra de Reconquista (o último reino conquistado foi Navarra, em 1492), que acabou atrasando a centralização do Estado espanhol.

Os avanços e sucessos da expansão ma­rítima portuguesa influenciaram o progres­so da navegação na Espanha. No entanto, os espanhóis não contavam com pessoas ca­pacitadas (geógrafos, navegadores e cons­trutores de navios) para seu desenvolvimento; por isso, foram buscar a experiência de por­tugueses e italianos.

Um desses navegadores estrangeiros se­diados na Espanha ganhou a confiança da Coroa espanhola para desenvolver um projeto ao mesmo tempo fantasioso e ousado para a época. O genovês Cristóvão Colombo acreditava que a Terra era redonda e, por­tanto, seria possível alcançar as índias via­jando sempre para oeste. Hoje sabemos que sua teoria estava correra, mas ele não sabia da existência de um extenso conti­nente (a América) entre a Ásia e a Europa, o que impediu a plena realização de seu projeto.

As descobertas de Colombo desenca­dearam uma disputa entre Portugal e Espanha e o crescimento, nas duas décadas seguintes, da navegação marítima espanho­la. Em 1499, o piloto florentino Américo Vespúcio partiu, a serviço da Espanha, em uma de suas viagens para o Ocidente e con­firmou que as "novas terras" eram realmente um novo continente, a América.

A expansão marítima dos outros países europeus

Durante todo o século XVI, o monopó­lio das navegações à América esteve nas mãos de Portugal e Espanha. Países como a Fran­ça e a Inglaterra estavam atrasados porque durante o século XV enfrentaram vários pro­blemas que dificultaram as navegações, en­tre os quais a Guerra dos Cem Anos.

Os franceses tentaram achar uma pas­sagem para o Pacífico através do Atlântico norte, nas viagens de Juan Verrazano (à Nova Inglaterra, em 1524) e Jacques Cartier (ao Canadá, em 1534). Sem con­seguir sucesso, eles se entregaram à pira­taria, principalmente no Brasil (Maranhão e Rio de Janeiro) e, mais tarde, à forma­ção de colônias na América do Norte.

Os ingleses também procuraram uma passagem para a Ásia pelo extremo norte do continente americano e pelo mar do Norte (1553, Richard Chancellor). Cabot, a serviço da Coroa inglesa, navegou por quase toda a costa leste da América do Norte e nada encontrou nesse sentido. Já o navegador Francis Drake realizou uma viagem bem-sucedida em torno do mun­do: em 1578 percorreu todo o litoral da América do Sul e a costa oeste da América Central e da América do Norte, seguindo para o continente australiano (1579); em 1580 retornou à Inglaterra.

Sem conseguir atingir a Ásia por outra rota, a Inglaterra partiu, na segunda meta­de do século XVI, para a pirataria contra a Espanha, oficializada pelo Estado inglês. Os piratas ingleses ficaram conhecidos como corsários, pois recebiam a Carta do Corso (corso = ataque e caça a navios mercantes), e proporcionaram altos lucros para a Coroa. Nessa mesma época a In­glaterra iniciou seus negócios no tráfico de escravos, da África para a América.

Se as navegações francesas e inglesas no continente não alcançaram um êxito imediato, pelo menos serviram para inici­ar a ocupação do litoral da América do Norte, que mais tarde seria explorado.

A Holanda realizou algumas viagens exploratórias pelo mar do Norte e de Barents, que sempre esbarraram na região gelada do norte. A atuação dos holandeses na expansão marítima ocorreu de maneira mais indireta. Eles financiaram, por exem­plo, a expansão ultramarina de Portugal, a instalação da indústria manufatureira de açúcar no Brasil e seu refinamento e comercialização na Europa. Na segunda metade do século XVI, a Holanda também iniciou seus negócios altamente lucrativos no tráfico de escravos africanos para a América.

As Reformas Religiosas

Já sabemos que a Igreja foi uma poderosa instituição medieval. Apesar disso, entre os séculos XI e XIII, ela passou por diversas crises e mudanças, surgindo daí numerosos mo­vimentos que criticavam seus valores e posturas:

as heresias, que contestavam certos dogmas da Igreja Católica e por isso foram dura­mente perseguidas;

as ordens mendicantes, correntes internas que questionavam a preocupação da Igreja com as questões materiais;

as reações da própria Igreja para combater esses movimentos, principalmente a re­forma gregoriana (do papa Gregório VII, na primeira metade do século XI) e a instituição da Santa Inquisição, no século XIII.

A partir do século XV, as críticas à Igre­ja Católica retornaram, ganhando muita for­ca no século XVI. Os conflitos e as diferenças dentro da Igreja tornaram-se tão intensos nesse século, que acabaram gerando uma cisão na cristandade por meio da Reforma Protestante.

Alguns fatores gerais

No século XV, com as profundas trans­formações que ocorriam na Europa (a ex­pansão marítima, o renascimento urbano e comercial e o humanismo/Renascimento), os movimentos que questionavam o exces­sivo comprometimento da Igreja Católica com os problemas mundanos e materiais ganharam mais espaço e força para se de­senvolver.

Dois fatos colaboraram muito para agra­var ainda mais a situação da Igreja ao longo dos séculos XV e XVI:

a crescente onda de corrupção com a ven­da de indulgências, relíquias religiosas e cargos eclesiásticos importantes, bem como a concubinagem do clero;

os abusos políticos cometidos pelo papa (autoridade máxima da Igreja), que, mes­mo perdendo poder para as monarquias nacionais, enfraquecendo-se, envolvia-se em acordos e golpes políticos com o objetivo de universalizar sua influência na Europa católica.

A Igreja tornava-se cada vez mais vulne­rável tanto no aspecto moral quanto no re­ligioso. As insatisfações generalizavam-se por toda a Europa.

A burguesia estava insatisfeita porque seus interesses chocavam-se com as postu­ras da Igreja, como, por exemplo, a conde­nação da usura (lucro proveniente de juros exagerados) e da cobiça (desejo de possuir bens materiais e poder). Os Estados nacio­nais (ou o rei) queriam limitar os poderes temporais da Igreja nas suas fronteiras. O fiel de origem humilde via a Igreja defen­dendo a exploração feudal e não encontra­va nela o apoio espiritual de que tanto precisava naquela época de crise.

No aspecto teórico, o Renascimento foi muito importante, uma vez que, de acor­do com sua postura antropocentrista, va­lorizava o homem e sua individualidade e ainda o espírito crítico do intelectual e cientista. Isso contribuiu muito para uma aproximação entre fé e razão e para a revi­são de atitudes religiosas, como a idéia de que a interlocução com Deus poderia ser individual, sem a mediação do clero; ou ainda que a interpretação da Bíblia deve­ria ser livre e pessoal.

Gradativamente foram sendo criadas na Europa condições para o surgimento de reli­giões mais adaptadas ao espírito capitalista.

Nesse quadro de insatisfações surgiram os primeiros reformistas: o inglês John Wycliffe, professor da Universidade de Oxford, já de­fendia (entre o final do século XIV e o início do XV) a livre interpretação da Bíblia, o fim dos impostos clericais e questionava a existên­cia da hierarquia eclesiástica.

O checo John Huss, professor da Uni­versidade de Praga, foi um seguidor das ideias de Wycliffe. Ele defendia, nessa mesma épo­ca, a utilização das línguas nacionais nos cultos religiosos, em vez do latim; chegou até a traduzir a Bíblia para seu idioma, o que era um sacrilégio. Foi condenado pela Igreja em 1417 e morto na fogueira.

Essas primeiras iniciativas não tiveram muita repercussão, ficando restritas às igre­jas de seus países, o que não ocorreu com os reformadores seguintes.

No século XVI, a Alemanha não era como a conhecemos hoje; ela fazia parte de um impé­rio mais extenso, o Sacro Império Romano-Germânico. Esse Império estava dividido em diversas regiões independentes, os principados. Logo, o poder estava descentralizado nas mãos dos príncipes (a centralização do Estado alemão só viria a ocorrer no século XIX), que coman­davam todas as ações na sua região.

O Sacro Império e a Igreja Católica dis­putavam o poder na região, produzindo al­guns conflitos. Grande proprietária de terras, a Igreja alemã continuava vinculada ao mun­do feudal, explorando os camponeses e im­pedindo o desenvolvimento do comércio e, conseqüentemente, da burguesia. Além dis­so, em razão da sua grande força nas ques­tões temporais, a corrupção e a decadência moral da Igreja assumiam grandes propor­ções na Alemanha. A sociedade, de maneira geral, a via de forma muito negativa.

Por isso, em outubro de 1517, o monge agostiniano (portanto, membro da Igreja Católica) e professor universitário Martinho Lutero (1483-1546) afixou na porta da ca­tedral de Wittenberg noventa e cinco teses em que denunciava e protestava contra a venda de indulgências.

O papa, na época Leão X, exigiu sua retratação, o que não ocorreu, prolongan­do o conflito por cerca de três anos. Final­mente, em 1520, Lutero foi excomungado pelo papa. Para demonstrar sua insatisfa­ção, ele queimou em público a bula papal que o condenava. Em virtude de seu radi­calismo, Lutero foi proscrito do Império. No entanto, o príncipe Frederico da Saxônia o acolheu em seu castelo.

Protegido no castelo, Martinho Lutero traduziu a Bíblia do latim para o alemão (o que era proibido na época) e desenvol­veu três ideias básicas do luteranismo:

"Só Deus." Rompendo com um princí­pio básico do catolicismo, afirma que não deve haver intermediação entre o homem de fé e Deus. Essa diretriz retirava da Igre­ja e seus quadros a autoridade sacra; por­tanto, a hierarquia eclesiástica e o papa não tinham importância nenhuma.

"Só as Escrituras." A Igreja não é a única capaz de interpretar a Bíblia. Segundo Lutero, todo homem de fé teria a capaci­dade de compreendê-la e interpretá-la, daí a necessidade de traduzi-la para as lín­guas populares.

"Só a fé salva." Novamente a estrutura e a autoridade eclesiásticas são questionadas. Ninguém tem a delegação da justiça divi­na, seja para punir, perdoar ou dar a graça, apenas Deus e os homens de fé que acredi­tam nisso. O fiel jamais teria certeza da sal­vação de sua alma após a morte. Tudo o que podia fazer era manifestar sua fé.

Além disso, ele afirmava que as obras, santos e sacramentos tradicionais da Igreja Católica de nada serviam. Apenas dois dos sete sacramentos da Igreja tinham validade: o batismo e a eucaristia.

As ideias da Reforma Luterana espalha­ram-se pelo Sacro Império Romano-Germânico e provocaram diversos conflitos sociais, políticos e religiosos.

Alguns nobres apropriaram-se de terras da Igreja, pela conversão ao luteranismo; outros, decadentes, atacaram violentamente, em 1522 e 1523, principados católicos (a Revolta dos Cavaleiros) para se apoderar de suas riquezas. Houve reação dos católicos, que impediram e esmagaram a revolta.

Esses conflitos armados motivaram a or­ganização de camponeses e trabalhadores ur­banos envolvidos na Revolta dos Cavaleiros. Liderados pelo sacerdote luterano Thomas Munzer, esse movimento foi profundamente influenciado pelo anabatismo.

O anabatismo era uma corrente refor­mista mais radical; rejeitava qualquer sa­cerdócio, já que Deus se comunicava diretamente com os eleitos, combatia a riqueza, a miséria e a propriedade privada e pregava a igualdade social. Por causa desses princí­pios, o anabatismo era muito divulgado en­tre a população mais pobre e deu um tom revolucionário às revoltas.

Temendo o desenvolvimento das revoltas populares, nobres e burgueses, católicos e luteranos (com a concordância de Lutero) uni­ram-se para combater o inimigo comum. Em 1525, um grande exército marchou contra os revoltosos, eliminando cerca de cem mil pes­soas e decapitando o líder Thomas Munzer.

Com o fim das revoltas populares, as no­brezas católica e luterana voltaram a se en­frentar, lutando por terras e poder. O imperador Carlos V, fiel à Igreja, procurou por fim às agitações convocando, em 1530, a Dieta de Augsburgo (uma espécie de as­sembleia de nobres) para discutir os confli­tos. Ele tentava conciliar as posições de reformistas e católicos. Mas os luteranos, por intermédio de Melachton, discípulo de Lutero, reafirmaram suas posições na Con­fissão de Augsburgo, e as lutas reiniciaram.

A nobreza luterana organizou uma Liga militar (Liga de Esmalcalda), para comba­ter os exércitos imperiais. As lutas estende­ram-se até 1555, quando foi assinada, pelo novo imperador Fernando I, a paz de Augsburgo. Este tratado de paz reconheceu a divisão religiosa da Alemanha e determi­nou que o povo de cada principado deveria seguir a religião de seu príncipe.

Com o fortalecimento do luteranismo na Alemanha, ele começou a influenciar os países escandinavos (Suécia, Dinamarca e Noruega). Todos os reis dessa região se converteram ao protestantismo, determi­nando o fim da influência católica nesses países.

Na França, antes da forte influência luterana, alguns humanistas haviam tenta­do realizar uma reforma religiosa mais pací­fica, mas não alcançaram nenhum sucesso. O catolicismo nesse país era bastante forte e tinha o apoio da monarquia.

As ideias de Lutero continuavam se es­palhando pela Europa. Na França, um es­tudioso das artes liberais e de Direito chamado João Calvino (1509-1564) aderiu à reforma religiosa pregada por Lutero. O reformismo de Lutero tornou-se mais radi­cal nas concepções de Calvino:

o homem, um pecador por essência, só podia se salvar pela fé;

Deus é transcendente (superior, acima do mundo real) e incompreensível; Ele só re­velou aquilo que quis revelar através das Escrituras;

a predestinação divina absoluta já desti­nava o futuro do homem à salvação ou à condenação.

Perseguido, Calvino refugiou-se na ci­dade suíça de Genebra, em 1536. A Suíça era um país onde as ideias reformistas luteranas já tinham alguma força devido à pregação de Ulrich Zwingli (1484-1531).

Apoiado pela burguesia local, Calvino desenvolveu suas ideias e deu um novo vi­gor militante ao reformismo. Ele pregava a valorização do trabalho, pois somente este traria sucesso material, considerado uma espécie de predestinação divina; dizia que o enriquecimento era uma graça de Deus e a pobreza uma condenação; não condenava o empréstimo de dinheiro a juros, como a Igreja Católica fazia.

Por isso, Calvino acumulou força polí­tica e assumiu o governo da cidade. Go­vernando como um autêntico déspota, sua administração impôs rígidos costumes mo­rais: proibiu o jogo de cartas, a dança e o teatro.

Como suas ideias iam diretamente ao encontro das necessidades burguesas de acúmulo de capital e de valorização do trabalho, o calvinismo se espalhou rapidamente pela Europa. Na Escócia foi organizada a Igreja Presbiteriana, inspirada no calvinis­mo; no norte dos Países Baixos (Holanda), originou-se o movimento dos puritanos, que se difundiu para a Inglaterra e para a Fran­ça, onde, apesar das resistências, assumiu uma face mais radical com os huguenotes.

A Reforma na Inglaterra teve um caráter bem original.

A Igreja Católica, ao mesmo tempo que era muito rica em terras, dependia da proteção do Estado. Henrique VIII, rei da In­glaterra, condenou, a princípio, o ideário luterano e perseguiu seus seguidores, sen­do condecorado pela Igreja como "Defen­sor da Fé".

Entretanto, o rei preten­dia assumir as terras e as ri­quezas da Igreja Católica e, assim, enfraquecer sua influência. A justificativa para concretizar o cisma foi a recusa do papa em dissolver o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, que não podia lhe dar um filho herdeiro (o que criaria problemas políticos de heredita­riedade no Reino). O rei não recuou diante da recusa da Igreja e casou-se novamente com Ana Bolena, sendo excomungado. Henrique VIII repetiria o ato, de acordo com seus in­teresses políticos, casando-se seis vezes.

O rompimento oficial deu-se em 1534, quando o Parlamento inglês aprovou o Ato de Supremacia, que colocava a Igreja sob a autoridade do rei. As propriedades da Igreja Católica passaram às mãos do rei e da nobre­za. Todos os dogmas da Igreja Católica fo­ram mantidos, exceto a autoridade papal, que devia se submeter à do rei. Nascia, assim, a Igreja Anglicana, gerando insatisfação entre católicos e protestantes. Portanto, as razões da separação entre o Estado e a Igreja não eram religiosas, mas políticas e econômicas.

Após a morte de Henrique VIII, assu­miu o trono seu filho Eduardo VI, que morreu logo em seguida, ainda criança. Ele foi sucedido por Maria Tudor, filha de Catarina de Aragão; católica, perseguiu os protestantes durante todo seu reinado (1547-1558), gerando vários conflitos político-religiosos. Nesse clima tenso assumiu o trono Elizabeth I, filha de Henrique VIII com Ana Bolena. Nesse período (1558-1603), a In­glaterra alcançou a paz religiosa, e o anglicanismo ganhou uma face mais defini­da, misturando elementos do ritual católi­co com os princípios da fé calvinista.

Contra-Reforma Católica

A Reforma Protestante implicou mu­danças sociais e políticas em toda a Euro­pa. Com a crise da Igreja Católica, a maioria das populações do centro e do norte da Europa convertia-se ao protes­tantismo, principalmente porque ele se ajustava melhor ao universo do capitalis­mo em evolução. Isso causou imediata­mente sérios problemas políticos, levando ao conflito violento os adeptos das duas religiões e ao confronto os Estados católi­cos e protestantes.

A Igreja Católica cada vez mais perdia espaços no quadro geopolítico europeu, além de sofrer pesadas perdas de fiéis. Procurando impedir o avan­ço da Reforma Protestante, ela realizou sua própria reforma, baseada nos padrões mais tradicionais do catolicismo, o que ficou co­nhecido como Contra-Reforma.

A Igreja tentaria combater o protestan­tismo e restaurar a hegemonia do catolicis­mo por meio da doutrina ou da força. Para alcançar tal objetivo, a Igreja precisou to­mar algumas atitudes:

A reativação da Inquisição, ou Tribunal do Santo Ofício. A Inquisição foi criada no século XIII para julgar e punir os he­reges. Ela reassumiu esse papel, no sécu­lo XVI, e obteve muita força nas monar­quias católicas de Portugal e Espanha, que usaram a Inquisição para perseguir principalmente os judeus; estes transfe­riram-se em grande número para os Paí­ses Baixos ou se converteram (os cris-tãos-novos).

A criação da Companhia de Jesus, em 1534, por Inácio de Loyola, com o ob­jetivo de divulgar o catolicismo, prin­cipalmente por meio da educação. Organizados em moldes quase militares, os jesuítas foram muito importantes para a defesa do catolicismo e sua propagação na América e na África. Nesses dois con­tinentes recém-colonizados, eles conse­guiram um grande espaço para o catolicismo pela educação e catequização dos indíge­nas (é o caso de lembrar aqui dois desta­cados jesuítas na catequização dos índios brasileiros, José de Anchieta e Manoel da Nóbrega).

No campo doutrinário, o papa Paulo III organizou o Concílio de Trento (1545-1563) para definir quais as novas posturas católicas. De forma geral, todos os dogmas e sacramentos condenados pelos protestan­tes foram reafirmados nesse Concílio.

Foi criado o índice dos Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum), em 1564. Tratava-se de uma lista de livros proibi­dos elaborada pelo Tribunal do Santo Ofício. Toda obra impressa deveria pas­sar pela análise do Tribunal, que o "re­comendava" ou não aos católicos. Na realidade, a Igreja estava censurando obras de artistas, cientistas, filósofos e teó­logos. Um cientista que teve suas obras reprovadas foi Galileu Galilei.

Foi reafirmada a infalibilidade do papa, defendendo sua autoridade sobre todos os católicos.

As obras e sacramentos foram mantidos como fundamentais para a salvação da alma.

Foram criados seminários para a forma­ção intelectual e religiosa dos padres.

Foi proibida a venda de indulgências e relíquias eclesiásticas.

Foi mantido o celibato clerical (proibi­ção do casamento de padres e freiras).

Como se vê, a Contra-Reforma mantinha-se dentro da tradição. Tal postura aca­bou produzindo intolerância religiosa de ambos os lados, acirrando os conflitos entre católicos e protestantes por toda a Europa.

O RENASCIMENTO

Introdução

É muito difícil conceituar um movimento histórico tão criativo e de amplas dimensões no tempo e no espaço como foi o Renascimento. Na verdade, não existiu um Renascimento, mas muitas experiências renascentistas que se manifestaram de diferentes formas nesse período. Os novos valores renascentistas atingiriam todas as áreas do conhecimento huma­no, em quase toda a Europa.

Os renascentistas gostavam de perceber o Renascimento como um momento de brusca ruptura que se opunha à Idade Média. Na realidade, o universo medieval era tratado por eles como um tempo obscuro cheio de irracionalidade e ignorância (a denominada Idade das Trevas). A visão de mundo que começava a alcançar muita presença no século XV tentava se opor ao mundo medieval, procurando retomar os princípios greco-romanos para fazer renascer a razão, o conhecimento e as artes.

Contudo, o Renascimento começou a se configurar, lentamente, na Baixa Idade Mé­dia, junto com a ampliação das atividades co­merciais e urbanas. A partir do século XV, com a expansão marítima, o reforço dos Es­tados nacionais, a constituição das bases das línguas nacionais, o fortalecimento da bur­guesia, enfim, com o desenvolvimento do capitalismo, os novos valores humanistas e renascentistas consolidaram-se e propagaram-se rapidamente.

Nesse momento começava a surgir um homem (o burguês) com uma visão de mun­do e de natureza bem diferente da do me­dieval, o que seria muito importante para questionar e superar o universo da Idade Média.

As origens do humanismo

As transformações gerais que ocorriam na Europa medieval tornavam cada vez mais necessária a atualização e dinamização do conhecimento. A partir desse movimento introduziu-se na formação educacional os "estudos humanos" (história, filosofia, re­tórica, matemática e poesia), que procura­vam dar condições para o progresso e desenvolvimento humano. Os humanistas eram, então, as pessoas empenhadas na di­vulgação desses "estudos humanos". Nesse fato aparentemente simples existem dois elementos muito importantes para o desen­volvimento do humanismo:

para se aprofundar nas disciplinas humanísticas era necessário retomar os au­tores, as temáticas e alguns princípios da Antiguidade Clássica, de modo geral es­quecidos durante a Idade Média;

os "estudos humanos", como o próprio nome já salienta, procurava centralizar e basear suas questões e análises no mundo concreto dos seres humanos e na realida­de natural e social que os cercam; assim, as explicações sobre os seres humanos e a natureza deixavam de se basear em Deus, nos aspectos divinos e nos dogmas católi­cos, sem, entretanto, acarretar um rom­pimento definitivo com a religião católica, que continuava sendo hegemônica.

Por isso, costuma-se caracterizar o hu­manismo como um movimento antropocêntrico que glorificava o homem e a natureza humana (antropo = homem/ser huma­no; cêntrico = centro; ou seja, o homem e as coisas humanas são as medidas e o cen­tro do universo), contrastando com o teocentrismo dominante na Idade Média, fundado no divino e no sobrenatural.

Essa nova forma de encarar os homens e a natureza implicou um conjunto de no­vos questionamentos e investigações, que por sua vez foram fundamentais para o de­senvolvimento do comércio, das navega­ções, das novas invenções, da ciência, etc.

O movimento renascentista teve início na Itália devido, sobretudo, ao papel estratégico das cidades italianas no período da baixa idade média, e durante o renascimento comercial e urbano. Tais cidades articulavam as atividades comerciais com o Oriente, através do Mediterrâneo, e com o norte da Europa. As cidades portuá­rias que mais se destacavam eram Veneza, Nápoles e Génova; no interior predomi­navam Florença, Milão, Pisa, Turim, etc.

Durante esse período a Itália ainda não existia como nação unificada (isso só ocorreria no século XIX). Ela estava di­vidida em diversas cidades independen­tes que realizavam várias atividades mercantis de acordo com seus inte­resses específicos. A luta entre essas cidades pelo monopólio comercial ge­rou uma série de conflitos militares. Como não havia um exército unifi­cado, a burguesia comercial manti­nha suas cidades protegidas por exércitos mercenários, comandados pelos condottieri (chefes de tropas).

Aproveitando o período de instabilida­de política, muitas famílias burguesas, e às vezes os próprios condottieri, articulavam gol­pes contra quem estivesse no poder: a as­censão das famílias Medici, em Florença, e Sforza, em Milão, são bons exemplos. Foi nesse clima político que Nicolau Maquiavel (1469-1527) escreveu O príncipe, um livro que trata das estratégias para conquistar e/ou manter o poder, que acabou se tornando um clássico da ciência política moderna.

Algumas dessas prósperas famílias bur­guesas mantinham e financiavam artistas, cientistas e homens de letras, em busca de reconhecimento, distinção e poder. A aris­tocracia italiana e a Igreja Católica segui­ram esse exemplo. Tais protetores e financiadores ficaram conhecidos como mecenas. Tradicionalmente, costuma-se dividir o Renascimento italiano em três fases: Trecento (século XIV), Quattrocento (século XV) e Cinquecento (século XVI).

TrecentoTambém chamado por al­guns de Pré-Renascimento. Este período reflete um momento de transição, em que conviveram elementos tradicionais da cultura medieval com os princípios humanistas renovadores. Na literatura italiana, Dante Alighieri, Petrarca e Boccaccio representam bem esse período transitório; na pintura destaca-se Giotto(1266-1337), considerado um precursor do Renascimento nas artes plásticas.

QuattrocentoPeríodo de apogeu do Renascimento. Destaca-se nesse momen­to uma rica família de banqueiros, os Medícis, que assumiram o poder em Flo­rença (1434). Coincidindo com o perío­do de maior riqueza e poder político da cidade, os valores e as obras renascentistas desenvolvem-se rapidamente, sempre com apoio dos Médicis. Lourenço de Medici, por exemplo, criou a Academia Platônica de Florença. No final do século XVI uma revolta ti­rou os Médicis do poder, substituin­do-os pelo frade Savonarola, que imprimiu características mais autori­tárias à administração da cidade. Opondo-se aos ideais e à produção intelectual renascentistas, que marginalizavam as ex­plicações divinas do ser humano e do mundo, Savonarola, com apoio da po­pulação, mandou quebrar e queimar qua­dros, livros e esculturas. Suas críticas também se dirigiam à Igreja Católica, antecipando a Reforma Protestante, e por isso foi excomungado. A partir desse momento, o centro da cul­tura renascentista transferiu-se para Roma.

CinquecentoNeste período as obras artísticas renascentistas atingiram seu mais alto grau de elaboração. Na pintura destacam-se Leonardo da Vinci (1452-1519), Michelangelo (1475-1564;), Rafael (1483-1520) e Botticelli (1444-1510), que surgem como artistas representativos de todo o período renas­centista. Da Vinci também colaborou muito para o desenvolvimento das reali­zações científicas da época, uma vez que explorou áreas como engenharia hidráu­lica, arquitetura, matemática, óptica, as­tronomia e biologia, entre outros campos do conhecimento.

Na literatura, o principal escritor foi o romancista e poeta Ariosto (1474-1533), que continuou as tradições de Petrarca, Boccaccio e Dante, dando um tom mais humanístico às suas obras. Maquiavel também se inclui neste período. Após este "período de ouro" iniciou-se a decadência do Renascimento italiano.

O Renascimento atingiu quase todas as regiões da Europa, sempre muito influen­ciado pelo Renascimento italiano, mas com características próprias de cada país.

Países Baixos — As atividades comer­ciais e manufatureiras sempre estiveram presentes com muita força na região des­de o final da Idade Média. Isso foi um fato determinante para o desenvolvimen­to do Renascimento, de um mercado de artes e artistas e do mecenato. Foi na pintura que o Renascimento flamengo se manifestou mais claramen­te. Robert Campin (1375-1444), Bruegel e os irmãos Jan (1390-1441) e Hubert (1366-1426) Van Eyck, entre tantos ou­tros, foram os que mais se destacaram. Mas talvez venha da literatura seu inte­lectual mais conhecido, Erasmo de Rotterdam (1466-1536), em cuja obra principal (Elogio da loucura) criticou du­ramente a cultura medieval e a corrup­ção da Igreja Católica. França — O Renascimento francês foi menos vigoroso que o italiano e o flamen­go. Os monarcas Luís XI e Francisco I foram autênticos mecenas, financiando e protegendo artistas e intelectuais. As realizações mais notáveis estão no cam­po da literatura, com François Rabelais (1494-1553), criador dos personagens Gargântua e Pantagruel, em livros que renovaram a prosa e criticaram a Igreja e o universo medieval, e na filosofia, com Michel de Montaigne (1533-1592).

Inglaterra — Aqui o Renascimento ocorreu tardiamente, no final do século XV, coincidindo com a centralização do Estado inglês. A música, a literatura e o teatro tiveram um desenvolvimento sig­nificativo na Inglaterra renascentista. Surgiram neste período vários traduto­res das obras clássicas para o inglês. Um dos humanistas ingleses mais criativos foi Thomas Morus (1475-1535), autor de Utopia (1516), em que descreve as condições de vida de uma sociedade sem ricos e pobres, em uma ilha imagi­nária. Por problemas religiosos, ele foi preso e executado por ordem do rei Henrique VIII.

O pensador e filósofo Francis Bacon (1561-1626) começou a desenvolver o método indutivo e experimental e ainda serve de referência para a compreensão da ciência moderna.

Talvez seja no teatro que tenha surgido o mais notável homem de letras da Ingla­terra: William Shakespeare (1564-1618). Considerado um dos maiores dramatur­gos de todos os tempos, apesar de algu­mas de suas obras criticarem os valores do cavaleiro e do mundo medieval e a fal­ta de um rei poderoso, muitas vezes ele demonstrou aceitar a influência do ima­ginário popular da Idade Média, compos­to por bruxas, fantasmas, fadas e faunos.

Espanha e Portugal — O Renascimento na península Ibérica assumiu caracterís­ticas especiais, sendo às vezes influencia­do pelas artes mouras e pelo cristianismo.

Os renascentistas espanhóis mais im­portantes foram o pintor El Greco (1541-1614) e o escritor Miguel de Cervantes (1547-1616), autor de Dom Quixote de La Mancha. Em Portugal, o destaque foi o poeta Luís de Camões (1525-15 80), autor da famosa epo­péia sobre a conquista marítima portu­guesa: Os Lusíadas. Há também as obras do teatrólogo Gil Vicente (1470-1536), criador do teatro nacional português.

O Renascimento científico: o nascimento da ciência moderna

Foi também nesse mesmo quadro de profundas transformações que a ciência moderna lançou suas bases fundamentais. Abandonando as explicações sobrenaturais típicas da Idade Média, os renascentistas procuravam análises mais racionais, isto é, a razão humana, e não a revelação divina, deveria explicar a realidade.

Para chegar a uma explicação racional das coisas era necessário um método cien­tífico de observação, coleta de dados e cria­ção de hipóteses, que deveriam ser testadas por meio de experimentações. Como se vê, o racionalismo e o experimentalismo foram as bases do conhecimento científico no iní­cio dos tempos modernos e até hoje são referenciais importantes para a ciência.

O polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a teoria heliocêntrica — a Terra e os outros astros giram em torno do Sol, que é o centro do universo — em opo­sição à geocêntrica — na qual a Terra era o centro do universo —, defendida pela Igreja Católica. Um contemporâneo de Copérnico foi Giordano Bruno, que levou suas teorias para a Itália, além de assumir posições panteístas (só existe o universo real, e Deus faz parte dele como uma síntese de tudo). Por assumir posições totalmente opostas às da Igreja Católica, foi condenado pela Inquisição e queimado vivo.

Johann Kepler (1571-1630) deu conti­nuidade às ideias de Copérnico e demonstrou que as órbitas dos planetas não eram circulares mas elípticas.

O italiano Galileu Galilei (1564-1642) é considerado o pai da física moderna. Ele defendia a idéia de que qualquer conheci­mento científico deveria seguir um méto­do e ser comprovado experimentalmente. Também foi muito perseguido pela Igreja e obrigado a rever suas posições.