O totalitarismo como uma forma de domínio político sistemático e permanente começou a se manifestar em alguns países da Europa ocidental e oriental entre o final da década de 1920 e o início de 1930. Diferente dos outros tipos de governos autoritários e ditatoriais, o totalitarismo é uma forma de domínio político historicamente nova. Ele não pretende apenas desestabilizar a capacidade política dos homens e da sociedade, isolando-a da vida pública, como sempre fizeram os governos autoritários de várias características e vertentes ao longo da história. Seus objetivos são mais profundos, graves e obscuros, pois além de interferir na vida pública, ele quer destruir os próprios grupos e instituições que formam as relações privadas do homem, isolando-o e tornando-o um estranho para si mesmo e para o outro. Assim, penetra no cotidiano das pessoas e da sociedade e, sobretudo, na natureza humana para transformá-la, através da trágica combinação entre perseguição ideológica e terror, estabelecendo o medo e a submissão.
O totalitarismo explica e determina a história baseado na convicção de que detém a verdade absoluta e a certeza total. Desta forma, suas análises não dependem de comprovação e verificação, pois a verdade e as leis da evolução histórica dão "legitimidade" às suas ações e explicações. Pode, portanto, criar um mundo fictício e coerente, justamente baseado nas normas que ele mesmo criou. Tais princípios são impostos de forma sistemática e incansável por recursos "modernos" de propaganda utilizados para o convencimento das massas. Todavia, o verdadeiro objetivo da propaganda autoritária não é a simples persuasão, mas a organização viva da massa que mantém vivo e sustenta o regime. Quando a propaganda não resolve, os instrumentos de terror e perseguição entram em ação para convencer e resguardar os ideais da "nova sociedade e do novo homem" e, em última instância, do regime. Nesses casos, a polícia secreta tem papel fundamental e determinante. Por isso, como afirma a filósofa alemã Hannah Arendt, "nos países totalitários, a propaganda e o terror parecem ser duas faces da mesma moeda".
Em regimes totalitários, o poder deve estar obrigatoriamente concentrado e ser monopolizado por uma pessoa ou um partido único. Geralmente coexiste uma dupla autoridade, que ultrapassa a simples visão de uma estrutura monolítica: a do Partido e a do Estado. Além da confusão que se estabelece entre as duas instituições (por exemplo, o PCUS e o Partido Nacional Socialista Alemão são identificados, respectivamente, com o Estado soviético e o Estado nazista), outros problemas emergem dessa relação.
Em muitas ocasiões existe até uma duplicidade de funções (por exemplo, o secretário-geral ou presidente do partido é o chefe do Estado), chegando a casos extremos, como a criação de órgãos no interior do Partido Nazista com funções administrativas semelhantes às do Estado. Em. consequência, muitas vezes o partido se sobrepõe ao Estado, questionando sua autoridade.
Além da duplicidade, o poder no Estado totalitário é fortemente personalizado (Hitler, Mussolini e Stalin, por exemplo). É na figura do ditador que o totalitarismo se realiza plenamente. Ele é o chefe do Estado, do Partido e da polícia secreta; é detentor da verdade histórica e conhece as normas e princípios que a sociedade deve aceitar; conhece e reconhece os inimigos, reais e fictícios, do Estado e da "nova sociedade". Ele é, portanto, o centro de todo o poder.
Finalmente, uma característica típica dos Estados totalitários nesta fase do início do século é seu nítido expansionismo. O que está em jogo é o domínio total mundial, seja em favor do surgimento de uma nova raça ou na instauração de uma nova sociedade. Portanto, a chegada ao poder significa também ir para além das fronteiras nacionais, conquistar "aliados" e nações.
Após a década de 1940, o conceito de totalitarismo foi revisto e alargado, justamente para tentar compreender suas nuances e especificidades históricas. Alguns autores perceberam que nas diversas experiências históricas o terror, o partido, o Estado, o líder, etc., assumem papéis e pesos diferenciados. Perceberam que, apesar dos pontos de confluência, o totalitarismo no fascismo italiano era diferente do existente na URSS de Stalin. Também a perspectiva internacionalista do nazismo era profundamente diversa do stalinismo. De qualquer modo, o conceito de totalitarismo tornou-se fundamental para compreendermos a história política do século XX, pois os regimes totalitários foram uma experiência histórica relevante e que deixou uma marca pesada e trágica nas experiências humanas contemporâneas.
Trataremos a seguir de duas experiências históricas totalitárias bastante importantes neste século: o fascismo italiano e o nazismo alemão.
A ITÁLIA
Os problemas deixados pela guerra na Itália foram enormes: milhares de mortos, devastação de algumas regiões, paralisação da produção industrial e agrícola, inflação e desvalorização da lira.
O quadro econômico e social estava bastante crítico no pós-guerra. As indústrias do Norte, por exemplo, recuperaram-se timidamente, graças a empréstimos estrangeiros que aumentaram a dívida externa. No campo político internacional, o Tratado de Versalhes não havia beneficiado a Itália, e isso reforçava as posições nacionalistas (latentes desde o século XIX).
A crise aumentava, criando um clima de tensão no meio rural e urbano. No campo explodiram inúmeras revoltas de camponeses. Nas cidades a classe operária organizava greves, às vezes acompanhadas de violências e saques.
As insatisfações implicaram, na década de 1920, o crescimento eleitoral dos partidos de esquerda — o Socialista, o Comunista e o Popular (de orientação católica) — e do número de sindicalizados na CGT (Central Geral dos Trabalhadores).
O crescimento dos movimentos grevistas e da "esquerda" assustava a burguesia os setores mais conservadores da Itália. Como esses segmentos também não acreditavam na capacidade do governo para solucionar os problemas, começaram a apoiar um movimento nacionalista de extrema direita, disposto a usar até a violência para acabar com as greves e revoltas: o fascismo.
Em 1919 surgiu um movimento denominado Fascio di Combatimento (feixes de combate) para combater o avanço da esquerda e das revoltas, e seus simpatizantes ficaram conhecidos como fascistas. Seu líder era um ex-militante do Partido Socialista, Benito Mussolini.
O movimento agregava todos os insatisfeitos com a crise econômica e social: mi-seráveis, classe média nacionalista e até a alta burguesia. Os setores mais conservadores da Itália viram nos fascistas a melhor alternativa para combater o avanço da esquerda, como havia ocorrido nas eleições de 1919. Por isso, eles prepararam-se para as eleições de 1921, que foram muito violentas e permitiram a eleição de alguns deputados fascistas, entre eles Mussolini. No fim de 1921 Mussolini criou o Partido Nacional Fascista (PNF).
O confronto entre os fascistas e os movimentos populares evidenciava-se. Em agosto de
Mussolini retrucou exigindo que o fraco governo mantivesse a ordem. Como decorrência da fraqueza do governo, em outubro os fascistas, vestidos de camisas pretas, realizaram uma marcha sobre Roma. O rei Vítor Emanuel II também não teve condições de conter os fascistas e chamou Mussolini para compor o novo governo.
Nesse primeiro governo Mussolini compôs uma maioria fascista, mas aceitou a participação de nacionalistas e liberais. No governo, o líder fascista forma um poder militar paralelo, reforçando o papel dos "camisas negras" como uma espécie de milícia de elite. A violência contra as oposições estava, portanto, institucionalizada.
Em 1924 ocorreu mais uma violenta campanha eleitoral, com a vitória dos fascistas. As denúncias das oposições sobre fraudes não foram apuradas. Um deputado do Partido Socialista (Giacomo Matteotti) foi assassinado pelos fascistas, iniciando uma crise política. Mussolini dirigiu-se à Câmara dos Deputados, em 1925, proferindo um discurso em que justificava o crime e as violências. Ao mesmo tempo baixou leis de exceção, fortalecendo seus poderes; além disso, dissolveu partidos de oposição e sindicatos, fechou jornais, exilou, prendeu e matou oposicionistas (entre eles o famoso teórico e militante comunista António Gramsci), restringiu os poderes do Legislativo e acabou com as liberdades individuais.
O Estado fascista conseguiu se estabelecer, como já vimos, graças à profunda crise política, econômica e social vivida pela Itália. Sua característica inicial mais acentuada era o autoritarismo, evidenciado nas inúmeras leis arbitrárias baixadas por Mussolini.
Durante seu governo, o autoritarismo ganhou dimensões mais amplas, chegando ao totalitarismo: a Câmara dos Deputados perdeu sua função, tanto que em 1938 ele a substituiu pela Câmara dos Fascios e Corporações; as liberdades de imprensa e individuais foram suspensas; foi criada uma polícia política (OVRA). Enfim, a sociedade civil estava completamente oprimida e desarticulada, pois o Estado totalitário procurava controlar a vida individual e social de todos os italianos.
No plano econômico, o Duce (chefe) procurou desenvolver a produção industrial e agrícola, renegociar a dívida externa, valorizar a lira, e ainda criou o Banco da Itália. O Estado assumiu o comando da economia, interferindo nas decisões de investimentos e nas relações trabalhistas.
Nesse último sentido, o Estado fascista teve características corporativistas. Ele tentou intermediar as relações entre capital e trabalho, permitindo a formação de corporações de trabalhadores e empresários (o Estado seria o árbitro dos conflitos). A maior expressão desse corporativismo foi a Carta dellavoro (1927).
O Estado fascista teve ainda mais duas características importantes: o culto à personalidade de Mussolini e o expansionismo. Em 1936, por exemplo, avançou sobre a Etiópia. Nessa mesma época aproximou-se da Alemanha nazista, consolidando o pacto ítalo-alemão, e participou da Guerra Civil Espanhola.
Assim, a Itália fascista também se preparava para um novo conflito militar na Europa.
A ALEMANHA
A Alemanha surgiu após a Primeira Guerra como a grande derrotada. Economicamente destruída, teve que se sujeitar às imposições dos vitoriosos, pagar pesadas indenizações e enfrentar problemas políticos e sociais internos.
Pouco antes do fim da guerra, os soldados que voltavam da frente de batalha se rebelaram contra o governo derrotado. As revoltas explodiram por todo o país, chegando a Berlim e obrigando o rei Guilherme II (Kaiser) a renunciar. A república foi proclamada logo em seguida, novembro de 1918, assumindo o governo provisório um social-democrata, Friedrich Erich.
Nesse período a Alemanha foi obrigada a assinar o Tratado de Versalhes (1919) e a crise econômica se agravou. Um grupo saído do Partido Social-Democrata fundou o Partido Comunista Alemão, que pregava a revolução socialista como a única alternativa para sair da crise. Liderados por Rosa de Luxemburgo, eles tentaram, em 1919, tomar o poder para implantar um Estado socialista (Revolução Espartaquista).
Apesar dos problemas sociais e políticos, o governo provisório havia convocado uma Assembleia Nacional Constituinte,
O governo social-democrata não conseguiu resolver os problemas econômicos e sociais mais urgentes do país. A miséria dos operários e da classe média se acentuava, a burguesia industrial não conseguia retomar seus investimentos e a produção agrícola continuava parada. Por isso, as oposições ao governo cresciam à direita e à esquerda: o operariado organizado pelos comunistas e socialistas tomava as ruas e fazia greves; os setores mais conservadores se organizavam temendo o crescimento das esquerdas. Muitas vezes esses grupos chegaram a se confrontar nas ruas.
Durante os anos
Em
Aproveitando o quadro de extrema instabilidade política e econômica, em novembro de 1923, um grupo de extrema direita liderado pelo general Lüdendorff e por Adolf Hitler tentou um golpe em Munique, que foi imediatamente reprimido. Nesse período Hitler era apenas um líder em ascensão do Partido Nacional Socialista Operário Alemão, cuja origem estava no Partido dos Trabalhadores Alemães, criado em 1919.
Por causa do golpe, Hitler foi punido com cinco anos de prisão, mas só cumpriu alguns meses. Na prisão ele escreveu Mein Kampf (Minha luta), expondo as ideias que se tornariam, mais tarde, referência teórica dos nazistas.
A partir de
No plano político, a social-democracia conseguia se manter no poder e as rebeliões e greves diminuíam. Nas eleições de 1928 os partidos Social-Democrata e Comunista alcançaram 42% dos votos, e Hermann Müller assumiu o governo com um gabinete de esquerda.
Todavia, esse quadro não permaneceria por muito tempo, pois a crise econômica mundial (Crise de 29) refletiu-se de maneira trágica na Alemanha. A economia voltou à estagnação, o desemprego retornou, a inflação subiu novamente, a produção agrícola decaiu e as greves voltaram. Como consequência, o governo social-democrata caiu em 1930 e assumiu Bruning, um político conservador e monarquista que levaria a República de Weimar ao fim.
Na esteira da crise mundial e interna, o nazismo se reforçava eleitoralmente e de maneira contraditória entre as parcelas mais ricas e as mais miseráveis.
Nas eleições de
Em janeiro de 1933 ele forma um novo governo com maioria de direita. Hitler tentou de todas as maneiras centralizar o poder em suas mãos. No mês de fevereiro ocorreu um incêndio no Parlamento (Reichstag), atribuído propositalmente aos comunistas. Esse era o pretexto para o governo desencadear violenta repressão contra a esquerda e os movimentos populares. Medidas de emergência fecharam os partidos de esquerda; as liberdades de imprensa e individual foram suspensas.
Novas eleições ocorreram em março de 1933, em um clima de tensão, repressão e falta de liberdade. A vitória, obviamente, foi dos nazistas: 17 milhões de votos, contra 7 milhões da social-democracia e quase 5 milhões dos comunistas.
Com a morte de Hindenburg, Hitler assume também a Presidência, concentrando todos os poderes da Alemanha.
Com o poder nas mãos, iniciou a formação do III Reich: o Parlamento e os partidos foram fechados; foi criada a Gestapo (polícia secreta); a economia foi controlada pelo Estado, que implantou também o trabalho obrigatório em algumas regiões e setores produtivos.
Em 1935 foi aprovada a lei racial determinando que os judeus eram considerados "raça inferior"; por isso foram perseguidos e expurgados dos empregos públicos, em meio a um grande movimento anti-semita. O Ministério da Propaganda teve papel importante nessa doutrinação.
No Estado nazista, o Ministério da Educação do Povo e da Propaganda, comandado por Joseph Goebbels, foi responsável pela formação, doutrinação e consolidação da ideologia. As formulações teóricas de Goebbels e sua capacidade de manipular os movimentos de massa foram determinantes para o sucesso da propaganda nazista (formulações utilizadas mais tarde no desenvolvimento da propaganda comercial).
Os meios de comunicação eram controlados pelo Estado e passavam uma imagem forte, positiva e realizadora de Hitler e do nazismo. Além disso, a propaganda oficial centrava suas atenções em outras questões; no racismo, proclamando a superioridade da raça ariana sobre as outras e perseguindo os judeus; no anticomunismo radical; no nacionalismo alemão; na formação nazista da juventude; na melhoria de vida dos trabalhadores, etc.
O Führer (chefe, guia) comandava tudo através de um Estado onipresente, das SS e da Gestapo, seus braços armados. Assim, Hitler reforçava sua imagem e obtinha o apoio das massas e da grande burguesia nacional, que financiava suas iniciativas.
Com a consolidação do Estado nazista, Hitler iniciou uma política expansionista na Europa. Antes, porém, ele reforçou a indústria bélica, instituiu o serviço militar obrigatório e fez uma pesada doutrinação nacionalista.
Inicialmente anexou a Áustria, em 1938; em 1939 invadiu a Tchecoslováquia, assinou um pacto com a Itália fascista e o pacto de não-agressão com a URSS; além disso, reivindicou nesse mesmo ano territórios da Polônia, que acabaria sendo invadida. Sua política externa agressiva terminou levando a Europa à Segunda Grande Guerra. Em 1939 as tropas nazistas realizaram uma espécie de preparação para a Grande Guerra, interferindo militarmente na Guerra Civil Espanhola.
A GUERRA CIVIL ESPANHOLA
Em
Apesar do novo governo republicano e das reformas, os conflitos na Espanha continuaram: explodiram greves gerais e os movimentos separatistas (bascos e catalão) fortaleceram-se. A esquerda se organizou em torno dos partidos socialista e comunista.
Nas eleições de 1936, republicanos, socialistas e comunistas uniram-se em torno da Frente Popular e chegaram à vitória. O governo, com maioria de esquerda, anistiou os presos políticos, retomou a reforma agrária e tentou uma reforma educacional.
Alguns conflitos de rua continuaram, articulados principalmente pela direita. Num deles um líder direitista foi morto, dando motivo para uma guarnição do exército, comandada pelo general Francisco Franco, rebelar-se. Estava começando a Guerra Civil Espanhola.
De um lado estava a Falange, liderada por Franco e apoiada pelos grandes latifundiários e pela alta burguesia, que contava ainda com o apoio de Hitler e Mussolini. Do outro lado estavam as forças que defendiam a democracia; para defendê-la o governo republicano organizou um exército popular, composto de camponeses, operários e estudantes, que contou com a colaboração militar da URSS e das Brigadas Internacionais (voluntários de outros países que foram lutar na Espanha).
Nessa guerra, a Alemanha e a Itália deram muita ajuda à Falange e chegaram a testar novos armamentos e táticas, realizando uma espécie de ensaio para a Segunda Guerra Mundial. Além disso, a Inglaterra e a França se mantiveram distantes da guerra civil, avaliando-a como um simples conflito interno.
Franco e a Falange derrotaram os republicanos em março de 1939, constituindo um governo fascista, conhecido como franquista, que duraria até o final da década de 1970.
verno republicano organizou um exército popular, composto de camponeses, operários e estudantes, que contou com a colaboração militar da URSS e das Brigadas Internacionais (voluntários de outros países que foram lutar na Espanha).
Nessa guerra, a Alemanha e a Itália deram muita ajuda à Falange e chegaram a testar novos armamentos e táticas, realizando uma espécie de ensaio para a Segunda Guerra Mundial. Além disso, a Inglaterra e a França se mantiveram distantes da guerra civil, avaliando-a como um simples conflito interno.
Franco e a Falange derrotaram os republicanos em março de 1939, constituindo um governo fascista, conhecido como franquista, que duraria até o final da década de 1970.
Um comentário:
Muito bom! parabeens
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