terça-feira, 18 de setembro de 2007

A BIPOLARIZAÇÃO DO PÓS-GUERRA

Após a Segunda Guerra, o mundo cristalizou algumas tendências que já haviam se manifestado no período entreguerras:

· como a guerra se concentrou basicamente na Europa, as perdas materiais e as dificulda­des econômicas para sua reconstrução levaram os países europeus à decadência definiti­va como potências mundiais;

· o conflito Leste-Oeste, produto do surgimento de duas superpotências eco­nômicas e bélicas que disputariam a hegemonia política e ideológica sobre o planeta (EUA, capitalista, e URSS, socia­lista), tornando o quadro político inter­nacional extremamente tenso até a década de 1980;

· crescimento da economia mundial ba­seado em incríveis transformações tecno­lógicas, que foram incorporadas ime­diatamente ao cotidiano das pessoas;

· e, finalmente, as desiguais relações Norte-Sul, isto é, houve a definição clara de uma ordem internacional com crescente distanciamento entre os países ricos (do Pri­meiro Mundo, grosso modo localizados no hemisfério norte) e os pobres (do Terceiro Mundo, em geral no hemisfério sul).

No fim da guerra a Europa se encontra­va completamente destruída: milhões de mortos, parques industriais e regiões agrí­colas arrasados, cidades desestruturadas, desemprego, dívidas enormes, economia instável e sérios problemas sociais.

Em contrapartida, mais uma vez os EUA saíram beneficiados com a guerra e estavam em condições de financiar a recuperação dos países destruídos pelo conflito. A URSS, com um forte exército e um papel determinante para a vitória sobre a Alemanha na Europa oriental, surgia como força política. Os acor­dos que estabeleceram a nova ordem mun­dial foram influenciados por essa realidade.

O primeiro acordo foi o da Conferência de lalta, que reuniu na cidade de lalta (URSS), em fevereiro de 1945, Roosevelt (EUA), Stalin (URSS) e Churchill (Ingla­terra), representantes dos três grandes paí­ses vitoriosos. Nesse acordo foram definidos os avanços das novas fronteiras soviéticas (Estados Bálticos e leste da Polônia) e sua influência na Europa oriental (Polônia, Romênia, Tchecoslováquia, Hungria, lugoslávia e Bulgária).

A segunda reunião dos três países ocor­reu em São Francisco (EUA), entre abril e junho de 1945, e nela foram criados a ONU e os organismos de cooperação internacio­nal. Cinquenta países participaram da or­ganização da ONU, decidindo que: da Assembleia Geral anual participam todos os países-membros; existe um órgão superior, o Conselho de Segurança, composto por cin­co membros permanentes (EUA, URSS, China, Inglaterra e França) com direito a veto, e dez membros rotativos eleitos a cada dois anos. Além disso, foram criados orga­nismos de cooperação mundial na área fi­nanceira — FMI e Banco Mundial (BIRD) — , do trabalho (OIT), alimentação e agri­cultura (FAO), educação, ciência e cultura (Unesco), etc.

Na verdade, a ONU serviu durante anos de órgão legitimador da política externa dos EUA, que sempre podiam garantir a susten­tação de suas posições na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança.

A próxima conferência mundial ocorreu em Potsdam (Alemanha), em julho de 1945, e definiu a divisão da Alemanha e da capital (Berlim) em quatro áreas a serem ocu­padas por França, Inglaterra, EUA e URSS. O objetivo principal era a ocupação para a "desnazificação" e a recuperação da Alemanha. Entre­tanto, a partir desse acordo se eviden­ciou a nova correlação de forças mundial: na região a oeste da Alema­nha, os países capitalistas ocidentais, e no leste, a URSS. Essa conferência deu início à Guerra Fria e à divisão entre Alemanha Ocidental (RFA — capi­talista) e Oriental (RDA — socialista), formalmente estabelecida em 1949. Como Berlim ficava no leste da Alemanha, a cida­de também foi dividida em duas áreas, Oes­te (capitalista) e Leste (socialista).

Esses acordos do pós-guerra estabelece­ram o novo mapa geopolítico da Europa, dividindo-a em dois blocos, que sobrevive­riam até o final da década de 1980: de um lado a expansão e o fortalecimento da URSS e, conseqüentemente, do socialismo, na parte oriental; na ocidental, um bloco de países capitalistas.

A Doutrina Truman e o Plano Marshall

Após a Conferência de Potsdam, a bipolarização começou a tomar corpo, pois os avanços e o fortalecimento da URSS na Europa podiam criar uma série de dificul­dades para o capitalismo e os EUA. A política norte-americana, então, começava a mudar.

Em discurso no Congresso americano (1947), o presidente Truman traçou as li­nhas gerais da nova política externa dos EUA: conter a URSS e o comunismo e assumir a liderança na "defesa" intransigen­te do Ocidente, da democracia e do capi­talismo.

O desdobramento imediato da Doutri­na Truman foi a concretização do Plano Marshall (1947). Graças à colaboração eco­nômica e financeira dos EUA, os países eu­ropeus foram reconstruídos, reequilibraram suas economias e voltaram a crescer. Inter­namente houve também um grande esforço dos europeus para reconstruir seus países e implantar a democracia.

Esse intenso trabalho de recuperação conjunta da Europa no pós-guerra acabou redundando na criação de alguns acordos e tratados internos. Em 1957 foi assinado o mais importante deles, o Tratado de Roma. que criou a Comunidade Econômica Euro­peia (CEE).

A Guerra Fria

A influência soviética na Europa orien­tal logo após a guerra foi vista com temor por W. Churchill, que criou em 1946 o cé­lebre conceito de "cortina de ferro" para identificar os países europeus sob o poder da URSS.

Definia-se na Europa a formação de um bloco capitalista ocidental, favorável aos EUA, e de uma aliança de países na região oriental, vinculada à URSS. Gradativamente esse quadro político se reproduziria por todo o planeta, dividindo-o em dois blocos geo-políticos (Oeste x Leste) e ideológicos (ca­pitalismo x comunismo).

O clima de cooperação internacional surgido no imediato pós-guerra começa­va a ruir. Cada vez mais, os EUA e a URSS preparavam-se para isolar o "inimigo" e para o enfrentamento. Por isso, nesse qua­dro tenso de bipolarização, os dois países iniciaram uma verdadeira corrida armamentista, desenvolvendo principalmente a tecnologia atômica para uso militar, ou seja, as armas nucleares.

Assim, EUA e URSS desencadeavam uma nova forma de conflito: como as duas superpotências nucleares não podiam se con­frontar militarmente, sob pena de se autodestruírem, os dois países iniciaram uma ''guerra fria", um imenso jogo político em que eles estabeleciam as regras e alianças ou então sustentavam indiretamente guerras em todas as partes do planeta.

Com a radicalização das posições, os EUA criaram em 1949 a OTAN (Organi­zação do Tratado do Atlântico Norte), um pacto militar entre os países da Europa ca­pitalista ocidental e a América do Norte. A OTAN organizou, sob a liderança norte-americana, um exército conjunto e pontos estratégicos destinados à ação militar.

De seu lado a URSS criou, para se con­trapor ao Plano Marshall, o Comecon (1949), uma espécie de conselho econômi­co voltado para a integração e o desenvolvi­mento do bloco socialista. Em 1955 formalizou um pacto militar que já existia de fato entre os países do Leste europeu: o Pacto de Varsóvia.

Alguns fatos de ordem externa e interna colaboraram para radicalizar o clima políti­co internacional. No plano externo vários acontecimentos colocaram os EUA e a URSS em campos opostos. Esse tipo de conflito das superpotên­cias em um terceiro país se repe­tiria inúmeras vezes em diversos continentes.

Esse cenário internacional tenso teve reflexos na ordem política in­terna dos dois países. Na década de 1950 houve nos EUA o fortalecimen­to de posições mais conservadoras, desencadeando ações como o macartismo, uma verdadeira "caça às bruxas" a supostos "esquerdistas" coman­dada pelo Comitê contra as Atividades Antiamericanas, liderado pelo senador Joseph MacCarthy.

A Coexistência Pacífica

Inúmeros fatos ocorridos nas décadas de 1950 e 1960 levaram as superpotên­cias a uma nova relação, que deveria esta­belecer a convivência "pacífica" entre os dois países.

A morte de Stalin em 1953 e a ascensão de Nikita Kruschev, novo secretário-geral do PCUS, foram muito importantes porque produziram algumas mudanças na URSS. Kruschev denunciou no XX Congresso do PCUS (1956) os crimes e desmandos de Sta­lin, criando um constrangimento interna­cional entre os comunistas e, conseqüentemente, dissidências nos PCs e novas correntes socialistas.

Além disso, ele iniciou uma pequena abertura para o diálogo e negociações com o Ocidente capitalista, que apontava para a necessidade da convivência pacífica. Na­quela oportunidade ele afirmou a necessi­dade de uma política de coexistência pacífica.

Sua política também se voltou para o chamado Terceiro Mundo, deslocando o eixo geopolítico para América Latina, Áfri­ca e Ásia.

Todavia, apesar da sensível mudança, a URSS não abria mão da hegemonia e, so­bretudo, do controle do bloco comu­nista. Suas relações com o Leste europeu se mantiveram (Pacto de Varsóvia) duras e intervencionistas: quaisquer manifestações de autonomia ou flexibilização dos regimes comunistas na região foram fortemente reprimidas, como na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968).

Nos EUA também ocorreram fa­tos importantes que modificaram suas relações com a URSS. Em 1953 foi elei­to o general Eisenhower, que iniciou uma tí­mida política de relaxamento das relações entre os dois países. No entanto, temendo o avanço comunista na Ásia, os EUA procura­ram algumas alianças bilaterais na região para contê-lo. Segundo essa política, qualquer de­sequilíbrio de poder levaria todo o continente para a influência soviética e chinesa, e, por isso, era preciso manter esse poder a todo custo. Entretanto, muitas vezes a guerra indireta foi a alternativa para tentar resolver os conflitos na região (como no Vietnã e na Coréia).

A eleição do líder do Partido Democra­ta John F. Kennedy, em novembro de 1960, também anunciava um passo importante para a distensão política entre os dois paí­ses, pois o novo presidente dos EUA tinha ideias e posições mais liberais. Mas as ex­pectativas de uma política de distensão logo desapareceram por causa de três aconteci­mentos que colocaram em perigo a coexis­tência pacífica:

· a invasão da baía dos Porcos (1961) — Logo após a Revolução Cubana, que ins­taurou um regime comunista na ilha, agentes da CIA (órgão de informação e espionagem norte-americano) e exilados cubanos desembarcaram em Cuba para derrubar o governo de Fidel Castro, mas foram derrotados.

· o problema dos mísseis nucleares (1962)— O governo Kennedy descobriu a ins­talação de mísseis nucleares soviéticos em Cuba, ameaçando a segurança dos EUA, o que gerou uma das crises mais graves da década, abalando as relações entre as duas superpotências.

· a construção do Muro de Berlim (1961)— Como já sabemos, a cidade de Berlim estava dividida em duas áreas: a ociden­tal (capitalista) e a oriental (comunista); em razão do contexto internacional e para impedir as fugas da parte oriental, foi construído um muro com 166 km de ex­tensão, fato que piorou ainda mais o clima entre os EUA e a URSS.

John Kennedy foi assassinado em no­vembro de 1963; Lyndon Johnson termi­nou seu mandato com uma política de "escalada militar" no Vietnã. Nas duas elei­ções seguintes (1968 e 1972) foi eleito o republicano Richard Nixon, que manteve a política de coexistência pacífica e iniciou a retirada das tropas norte-americanas do Vietnã.

No início da década de 1970, Nixon e seu chanceler Henry Kissinger ampliaram a política de distensão, implementando uma política de aproximação com a China, apro­veitando o rompimento dos chineses com a URSS (também conhecida como diploma­cia triangular — EUA, URSS e Chiaa). Vá­rios encontros foram mantidos, mas somente em 1979 os dois países restabe­leceram oficialmente as relações diplo­máticas. Nesse meio tempo Nixon foi obrigado a renunciar (1974) por causa do escândalo Watergate (assessores e agentes próximos ao presidente se envolveram em trama de espionagem em torno do Partido Democrata; o episódio revelou um grande esquema de corrupção na máquina admi­nistrativa dos EUA).

Além dos fatores vinculados diretamente às relações entre URSS e EUA, outros países começavam a despontar como potên­cias nucleares. A tecnologia da energia nu­clear e, principalmente, da bomba atômica já era conhecida por Inglaterra (detonou pela primeira vez uma arma nuclear em 1952), França (1960), China (1964) e, mais tarde, pela índia (1974), criando um imen­so arsenal de armas nucleares no planeta.

O período da coexistência pacífica per­mitiu a elaboração de acordos bilaterais e a retomada das relações diplomáticas entre os dois países; as conferências de cúpula entre a URSS e os EUA foram produto dessa nova situação internacional.

Nessas conferências, por exemplo, houve o reconhecimento do grande arse­nal mundial de armas nucleares e sua in­finita capacidade destruidora. Por isso, iniciou-se uma tímida política de contro­le das armas nucleares mediante acordos bilaterais, como nos planos SALT l (1972) e 2 (1979), ou multilaterais, como o Tratado de Moscou (1963) e o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (1968).

As iniciativas de caráter geral impedi­ram ou dificultaram, de um lado, a transfe­rência de tecnologia nuclear para qualquer país; de outra parte, permitiram que o po­der bélico e destrutivo continuasse concen­trado nas mãos de poucos países. Os acordos bilaterais acabaram gerando mais tarde a po­lítica de desarmamento desenvolvida na dé­cada de 1980 e concretizada parcialmente pelo secretário-geral do PCUS naquela épo­ca, Mikhail Gorbachev.

Na passagem da década de 1950 para a de 1960 as disputas entre URSS e EUA chegaram ao espaço. No final da década de 1950 os dois países começaram a financiar de maneira maciça a produção de tecnologia para grandes pro­jetos espaciais. Surgiram nesse processo centros de pesquisas espaciais, como a NASA (EUA — 1958), e projetos como o soviético Lunik e o norte-americano Apollo, que lançaram satélites e sondas ao espaço.

A corrida espacial foi freada durante a década de 1980; os pesados investimentos espaciais diminuíram bastante em razão da falta de resultados práticos e especialmente por causa dos problemas econômicos inter­nacionais e internos dos dois países.


Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Felipe muito boa esta sintese.