segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX

América Latina: das oligarquias agrárias ao populismo

O imperialismo manifestou-se na América Latina diferentemente de na Ásia e na África, pois não houve ocupação territorial; o domínio se realizou através da influência política e econômica. O trágico passado colonial, aliado às dificuldades internas dos países após a independência e aos interesses do capitalismo inter­nacional, impunham ao continente centro e sul-americano um processo de desenvolvi­mento marginal e dependente do capitalismo.

Durante todo o século XIX a hegemonia nos países latino-americanos foi da Inglaterra e, no século XX, transferiu-se para os EUA. A América Latina integrou-se ao quadro polí­tico internacional, no pós-guerra, como região sob influência definitiva dos EUA.

As estruturas de poder na América Latina, sobretudo na América do Sul, permanece­ram até meados deste século vinculadas aos interesses de uma elite agrária (oligarquias).

Na virada das décadas de 1930/1940 essas formações políticas entraram em crise basi­camente por duas razões: a Crise de 29, que desestabilizou as economias agrário-exportadoras (base do poder oligárquico) e a rá­pida industrialização e urbanização.

Com a consolidação da estrutura urbano-industrial, novos segmentos sociais se fortaleceram: a burguesia industrial, a clas­se média e o operariado. As cidades torna­ram-se mais importantes economicamente que o campo e passaram a ser habitadas por uma incrível massa humana (principalmen­te em razão do êxodo rural) sem condições decentes de vida, vulnerável aos discursos, demagógicos e populistas.

Assim, os movimentos, partidos e líde­res populistas nascem e se desenvolvem nas cidades, e seus discursos e práticas dirigem-se à grande massa urbana, especialmente ao operariado. O exagerado nacionalismo, a idéia do desenvolvimento industrial e a tu­tela sobre as leis sociais de defesa e os seg­mentos mais pobres e humildes da sociedade fazem parte do populismo; o carisma pessoal e a demagogia fácil são também caracterís­ticas dos seus líderes.

E interessante notar que o populismo na América do Sul, apesar de não conscientizar e de desarticular a classe operária, teve influên­cia e se reproduziu nos movimentos de esquer­da do continente (populismo de esquerda).

Apesar dessas características gerais, o populismo assume em cada país uma face diferente. Na América Latina tivemos inú­meros exemplos de governos populistas: Getúlio Vargas (1930-45 e 1951-54) e João Goulart (1961-64) no Brasil; Juan Domingo Perón (1946-55) na Argentina; Víctor Paz Estenssoro (1952-56 e 1960-64) e Siles Zuazo (1956-60) na Bolívia; José M. Velasco Ibarra (1934-35, 1944-47, 1956-61 e 1968-72) no Equador; e Lázaro Cárdenas (1934-40) no México.

A América central e as revoluções na América

Na virada do século a América Central tornou-se área de influência direta dos EUA. Esse quadro político de submissão aos interesses norte-americanos produziu, nesses países, situações políticas e econômicas internas bastante graves de opressão, subdesenvolvimento e mi­séria. Esse panorama desfavorável era pro­pício para o surgimento de movimentos com forte conteúdo nacionalista, que acabaram se manifestando em quase todos os países centro-americanos.

De maneira geral, quando os movimen­tos ou governos nacionalistas surgiram na América Central, o tratamento dos EUA para a questão seguiu basicamente duas li­nhas:

contra os movimentos populares, a forte repressão interna e às vezes até a interven­ção direta de tropas norte-americanas;

• contra governos reformistas e nacionalis­tas, eram articulados golpes de Estado apoiados pelos EUA; foi assim, por exem­plo, na Guatemala (1954) e na República Dominicana (1965).

Uma demonstração da política norte-americana intervencionista na região foi a situação criada em Porto Rico. Estado in­dependente com grande presença militar dos EUA desde o início do século, em razão de sua localização estratégica, em 1946 tornou-se um "Estado livre", mas associado aos EUA, perdendo, portanto, sua liberdade e autonomia.

A Revolução Mexicana

As origens da Revolução Mexicana so­mente poderão ser compreendidas a partir de análises que levem em conta tanto a si­tuação histórica latino-americana da segun­da metade do século XIX, como as contradições e particularidades da socieda­de mexicana.

Foi nesse período que ocorreu a forma­ção do Estado nacional baseado em princí­pios liberais e comandado por uma elite criolla. No entanto, os contrastes entre a pre­gação política de cunho liberal e o exercício do poder pela elite eram evidentes. O Esta­do agiu no sentido de consagrar e legitimar as diferenças sociais e políticas entre a elite criolla e os camponeses. Além disso, apesar do caráter unificador do Estado e da Cons­tituição de 1857, o poder local continuou exercendo forte pressão e presença na so­ciedade mexicana.

A economia mexicana continuava mantendo seu caráter agrario-exportador. Sua produção estava concentrada nas atividades de plantação de cana-de-açúcar, fumo, café e sisal; havia tam­bém uma produção artesanal de cerâmica, te­cidos, etc. Essa situação política e econômica mantinha a sociedade mexicana, composta na sua imensa maioria por camponeses, distan­te da cidadania política e da posse da terra, dificultando a sobrevivência dos mais pobres.

Na década de 1870, a política mexicana começou a ser dominada por Porfirio Díaz, um típico representante da aristocracia agrá­ria e latifundiária do México. Sua prolonga­da estada no poder (1876-1911) foi marcada por contrastes. O porfiriato se notabilizou pela ausência de liberdade política, em razão da ostensiva prática de fraudes e corrupção eleitoral, e pela marginalização da maioria da população (apenas 4% da população votava), o que lhe assegurava a constante recondução ao cargo de presidente.

As grandes diferenças sociais e econômi­cas já existentes agravaram-se, acentuando as contradições. A posse da terra concen­trou-se ainda mais nas mãos dos grandes latifundiários. Ao mesmo tempo, o capital norte-americano e, em menor quantidade, o inglês começavam a penetrar na econo­mia mexicana, de acordo com a lógica do capitalismo monopolista, fornecendo capi­tal e tecnologia para o desenvolvimento de infra-estrutura. Assim, gradativamente, empresas estrangeiras começaram a domi­nar boa parte da economia mexicana, prin­cipalmente a exploração de petróleo e de minério, a construção de ferrovias, as telecomunicações, portos, etc., além de di­namizarem a agricultura. Essa injeção con­siderável de capital acabou modernizando a estrutura econômica do México.

A partir da década de 1910 começaram a despontar os movimentos mais organi­zados contrários a Porfirio Díaz. Francis­co Madero, grande proprietário rural, liderou as primeiras manifestações anti-Porfirio, das quais participavam diversos setores sociais e que reivindicavam, basi­camente, maior liberdade política. No en­tanto, aos poucos os movimentos foram ganhando forte conteúdo social em virtu­de dos graves problemas fundiários exis­tentes no interior do país. Assim, os camponeses tornam-se os maiores protagonistas da luta contra o go­verno de Porfirio Díaz.

No final de 1910 as rebeliões campone­sas espalharam-se por várias partes do país. sob o tema "Terra e Liberdade". No início de 1911 Porfirio Díaz renunciou, deixando o governo para Madero. Asilado na França. Díaz percebeu o aprofundamento e radica­lização da revolução, e por isso vaticinou "Madero soltou o tigre, vamos ver se conse­gue cavalgá-lo".

Mesmo com a posse de Madero, os cam­poneses não recuaram nas suas reivindicações, que envolviam principalmente as questões em torno da posse da terra. Chefiados no sul por Emiliano Zapata e no norte por Francisco "Pancho" Villa, os rebeldes aterrorizavam la­tifundiários, muitas vezes ocupando e divi­dindo a terra à força. Os pontos essenciais de uma reforma agrária e da nacionalização da economia mexicana foram expostos por Zapata no Plano de Ayala: devolução das ter­ras às comunidades indígenas, divisão de l /3 das terras dos latifúndios, fundação de um banco agrícola, confisco das terras dos anti-revolucionários, etc.

Temerosa com os destinos do movimen­to, parte da elite mexicana uniu-se ao go­verno norte-americano para contê-lo. Em 1913, Madero foi deposto e assassinado por Victoriano Huerta. Como os EUA não pu­deram controlar o novo presidente, ajuda­ram a depô-lo em 1914, sendo substituído por Carranza, que assumiu o poder com o compromisso de estabelecer uma nova Constituição. Em 1916, a Assembléia Cons­tituinte reuniu-se pela primeira vez, e em 1917 a nova Constituição foi promulgada.

Contudo, os conflitos entre o avanço das reformas e os interesses internos e externos em contê-las mantiveram-se presentes na vida política mexicana. Os fatos que mais evidenciaram esses conflitos foram os assassinatos de Zapata, em 1919, e de Pancho Villa, em 1923, e as pressões dos EUA, que ameaçavam com intervenção ar­mada.

Durante a década de 1920 os problemas políticos permaneceram, mas em 1933 Lázaro Cárdenas colocou em prática mui­tas das propostas de reforma agrária de Zapata. A partir desse momento, o México começou a se modernizar.

As duas décadas de conflitos e rebeliões no México produziram um processo políti­co interessante e exemplar para toda a America Latina. A Revolução Mexicana foi a primeira grande rebelião social vitoriosa que teve forte participação popular; porém, com o tempo caminhou, principalmente a partir da década de 1930, para a formação de go­vernos populistas de fortes tendências nacio­nalistas, tão comuns no continente nesse período.

A Revolução Cubana

A Revolução Cubana foi o primeiro movimento que conseguiu resultados posi­tivos contra a hegemonia norte-americana no continente. Livre do domínio espanhol desde 1898, Cuba sempre foi tutelada pelos EUA, alternando governos submissos aos seus interesses. Na realidade, a ilha foi ju­ridicamente um protetorado norte-americano até 1934, quando foi revogada a Emenda Platt.

A organização da produção açucareira pelas empresas norte-americanas resultava na completa submissão da elite cubana aos interesses dos EUA. A maioria da popula­ção cubana era de origem rural, mas não ti­nha nenhum acesso à posse da terra e vivia em precárias condições de sobrevivência. Durante as décadas de 1930/40, a ilha vi­veu repleta de violência, corrupção, desman­dos e instabilidade política.

Em 1952 Fulgêncio Batista (homem com muito poder no país desde a década de 1940 — foi presidente entre 1940/44) chegou ao poder por um golpe, montan­do uma estrutura de governo autoritária e corrupta. Durante sua administração co­meçou a se organizar um grande movi­mento guerrilheiro nacionalista liderado pelos irmãos Fidel e Raul Castro, por Cienfuegos e Che Guevara. Depois de inú­meras lutas, a guerrilha nacionalista uni­da ao partido comunista chegou à vitória, em janeiro de 1959.

Logo após a consolidação de seu gover­no, Fidel Castro aproximou-se da URSS buscando apoio contra os EUA. Os EUA procuraram reagir à revolução em Cuba rea­lizando um bloqueio econômico (1959) e um golpe frustrado da CIA (a invasão da Baía dos Porcos, em 1961). A derrota americana fortaleceu Fidel, que acabou aderindo total­mente à URSS, transformando Cuba em um Estado socialista.

Em 1962 houve a crise dos mísseis. O governo de John Kennedy identificou bases de mísseis soviéticos em Cuba, que ameaça­vam os EUA e a paz mundial. A tensão in­ternacional foi desfeita com a retirada dos mísseis. Em seguida, Cuba foi afastada da OEA e reforçou seus laços com a URSS, tor­nando-se a única área de influência soviéti­ca no continente americano.

Apesar de Fidel tentar construir um so­cialismo com características diferentes, o Estado centralizou as iniciativas econômi­cas, os partidos políticos foram extintos e o culto à personalidade esteve presente. Po­rém, em relação à realidade latino-americana, as conquistas sociais cubanas eleva­ram o padrão de vida de seus habitantes.

As guerrilhas centro-americanas

Na década de 1970, os movimentos guerrilheiros na Nicarágua, El Salvador e Guatemala se fortaleceram.

Na Nicarágua, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (referência ao campo­nês e líder nacionalista Augusto César Sandino), após anos de luta, repressão e des­gaste do governo, conseguiu derrubar o di­tador Anastasio Somoza, em 1979. O governo de reconstrução nacional foi bem heterogêneo, composto por sandinistas, co­munistas, católicos, moderados e proprie­tários. Esta grande frente governista não se manteve por muito tempo, permanecendo no poder as tendências mais à esquerda.

Apesar de o governo sandinista não se alinhar à URSS e procurar um modelo de desenvolvimento baseado na economia mis­ta e na democracia, os EUA trataram de or­ganizar os contra-revolucionários nos países vizinhos. Além do financiamento aos "contras" e ajuda técnico-militar, a Nicarágua também sofreu um boicote econômico.

O movimento dos "contras" não conse­guiu se afirmar e foi repudiado internacional­mente. Em 1984, foram realizadas reeleições sem a participação do maior partido da oposi­ção; venceu Gabriel Ortega, da FSLN. Ao con­trário do que se imaginava, Ortega passou a presidência para Violeta Chamorro (União Opositora Nacional) após as eleições de 1990.

A vitória dos sandinistas motivou as guerrilhas em El Salvador e na Guatemala. Nos dois países os guerrilheiros se organi­zaram em frentes político-militares para combater os governos: a Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), em El Salvador, e a União Revolucionária Na­cional Guatemalteca (URNG). Com o go­verno Reagan apoiando esses governos, as guerrilhas retrocederam. Hoje, parte desses movimentos procura outras vias para che­gar ao poder.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A ÁFRICA E A ÁSIA DEPOIS DA GUERRA

Após a Segunda Guerra Mundial, a Ásia e a África passaram por grandes transforma­ções históricas internas. Nesses dois continentes se iniciou a descolonização, ou seja, o processo de independência das colônias pertencentes aos países imperialistas euro­peus. Esse movimento histórico ocorreu basicamente pelas seguintes razões: a ruína dos países europeus após a Segunda Guerra dificultou política e economicamente a preserva­ção das colônias; não havia mais sentido em manter os impérios coloniais no novo estágio do capitalismo pós-guerra; as políticas e objetivos da ONU proclamavam a autode­terminação dos povos, e por isso tornava-se contraditório que seus países membros mantivessem colônias; e, talvez o motivo mais importante, a resistência anticolonial que gerou movimentos nacionalistas de li­bertação, apoiados principalmente pelas po­tências socialistas (URSS e China).

Esses movimentos ocorreram de forma e em momentos diferentes; alguns aconte­ceram no final da década de 1940 (Índia, por exemplo) e outros se estenderam até meados da década de 1970 (países da África central). Se alguns movimentos de inde­pendência ou nacionalistas começaram an­tes da Segunda Guerra, os resultados concretos começaram a surgir somente na década de 1950. Na realidade, eles tiveram uma aceleração significativa a partir de 1955, após a Conferência de Bandung, na Indonésia.

Nessa Conferência, na qual se reuniram países da África e da Ásia, alguns pontos con­sensuais foram acertados. Procurou-se criar uma política própria e específica dos países pobres, independente dos interesses políti­cos das superpotências; na disputa entre elas, esses países deveriam se manter neutros. Surge daí a definição de países pertencentes ao Terceiro Mundo (embora o termo já fosse utilizado desde 1952), aqueles que procu­ravam uma política de neutralidade em re­lação aos países capitalistas, liderados pelos EUA (Primeiro Mundo), e socialistas, lide­rados pela URSS, (Segundo Mundo), apon­tando para uma política de não-alinhamento. A defesa do desarmamento mundial e a rea­firmação da igualdade entre as raças tam­bém fizeram parte de suas resoluções.

Outros encontros de países terceiro-mundistas foram realizados, incorporando países da América Latina; entretanto, os re­sultados eram pouco eficientes no quadro político internacional. O movimento dos países do Terceiro Mundo teve impacto também no universo intelectual. Alguns teóricos tentaram formu­lar um conceito e tipologia para caracterizar os países terceiro-mundistas. Os critérios, que de forma indistinta "uniam" países to­talmente diferentes, de vários continentes, como Brasil, lugoslávia, Egito e India, aca­baram estabelecendo como características: economia agrícola e fraca industrialização; dependência do capital e tecnologia dos paí­ses centrais (Primeiro Mundo); elevado crescimento demográfico com predomínio das populações rurais; proliferação da po­breza, altas taxas de analfabetismo, subnu­trição e mortalidade infantil; pouca tradição democrática das instituições políticas, que via de regra implicava governos autoritários. Os resultados positivos da ação conjunta através da Conferência de Belgrado surgiram nos movimentos de independência que proliferaram, principalmente na África, du­rante a década de 1960.

A partir da dé­cada de 1970, as diferenças entre esses países tornaram-se mais evidentes no cam­po econômico com a emergência dos paí­ses produtores de petróleo, "tigres asiáticos", etc. Alguns analistas preferiram denomi­nar essa nova realidade como o "Quarto Mundo", no entanto, o desmoronamento da URSS e do Leste europeu colocou fim ao "Segundo Mundo", invibializando to­talmente esse tipo de classificação e con­ceito.

ÁSIA

A Índia

Logo que terminou a Primeira Guerra, desenvolveu-se na India um forte movimen­to nacionalista contra a Inglaterra. O Parti­do do Congresso, liderado por Mahatma Gandhi e Jawaharlal Nehru, comandou um movimento que se tornou famoso no mun­do inteiro.

As características da luta contra o im­perialismo inglês desenvolvidas por Gandhi no período entreguerras baseavam-se na ideia da não-cooperação e não-violência. O objetivo fundamental era resistir à domina­ção da Inglaterra, deixando de cooperar com os ingleses e com as instituições coloniais e não reagindo à violência. Como exemplo de resistência e desobediência civil, Gandhi je­juava, não cumpria as leis coloniais e fazia marchas pacíficas pela Índia.

Após muita repressão, luta e concessões por parte da Inglaterra, a independência da Índia aconteceu em agosto de 1947. En­tretanto, as disputas religiosas entre hin­dus, sikhs e muçulmanos, que já haviam dificultado a independência, dividiram o país, com a criação do Paquistão (muçul­mano). Mais tarde o Paquistão seria sub­dividido com o surgimento de Bangladesh (1972).

Foi nesse contexto de radicalização político-religiosa que Gandhi foi assassinado, em 1948, por um fanático muçulmano que o culpava pela divisão do país. Jawaharlal Nehru (amigo e seguidor de Gandhi, foi o primeiro chefe político da Índia independen­te, governando-a até 1964) assumiu defini­tivamente a direção do país e procurou desenvolver internamente a Índia. Ele tam­bém teve um papel muito importante no cenário político internacional, pois defen­deu a política de neutralidade e a necessi­dade de construir uma terceira via de desenvolvimento, como alternativa ao so­cialismo e ao capitalismo. No entanto, a partir da década de 1960, a índia se apro­ximou da URSS buscando proteção políti­ca e militar, pois a China havia invadido a região de Cachemira (1962), criando uma situação de guerra.

Até hoje a índia convive com sérias difi­culdades sociais, como a superpopulação e a miséria, além dos problemas políticos e religiosos.

A China

A China, durante o imperialismo do sé­culo XIX, esteve ocupada por diversos países europeus e teve que enfrentar o expansionismo do Japão no final do século (Guerra Sino-Japonesa, 1894-95).

A independência só se concretizou com a proclamação da república em 1912. To­davia, isso não significou a plena autono­mia do país, que continuou sob a pressão dos interesses imperialistas dos EUA e do Japão, dividido e com graves dificuldades econômicas e sociais.

As disputas políticas internas também se evidenciaram no final da década de 1920 com os confrontos entre o Partido do Kuomintang (republicano), liderado por Chiang Kai-shek, e o Partido Comunista, coman­dado por Mao Tsé-tung. A radicalização desse processo produziu uma verdadeira guerra civil. Em 1934 o exército popular (Exército Vermelho) realizou a Longa Mar­cha, chefiada por Mao Tsé-tung e Chu En-lai, que percorreu cerca de 9 mil km para evitar o cerco das tropas do Kuomintang.

Com as novas invasões japonesas no fi­nal da década de 1930 e o início da Se­gunda Guerra Mundial, os partidos do Kuomintang e Comunista se uniram em uma frente de defesa da China. A resistên­cia foi liderada pelo Exército Vermelho, que conseguiu ampliar suas bases. Nesse perío­do, Mao Tsé-tung formula as ideias básicas sobre a possibilidade da revolução socialista nos países de passado colonial.

Após o final da guerra (1945), a aliança entre o Kuomintang e os comunistas se des­fez, dando lugar a novo confronto armado: de um lado as tropas do Kuomintang, apoia­das pelos EUA, e do outro o Exército Ver­melho, organizado pelo Partido Comunista, tendo à frente Mao Tsé-tung.

A luta terminou em 1949 com a vitória dos comunistas, que proclamaram a Repú­blica Popular da China, tendo na presidên­cia Mao. Chiang Kai-shek fugiu para a ilha de Formosa(Taiwan), organizando um governo in­dependente, apoiado pelos EUA.

O governo chinês se aproximou inicial­mente da URSS, fortalecendo o bloco socia­lista (URSS e Leste europeu). Mao realizou uma reforma agrária, socializou os meios de produção, nacionalizou bancos e grandes empresas, expulsou estrangeiros e desenvol­veu o ensino básico.

Na década de 1960 os projetos da Chi­na estavam envolvidos com o aprofunda­mento do comunismo (o Grande Salto à Frente), o aumento da produção e o desen­volvimento de seu arsenal nuclear; ou seja, os chineses pretendiam se tornar mais uma superpotência no bloco socialista. Sob o dis­curso das diferenças ideológicas no campo do marxismo, China e URSS afastaram-se basicamente em razão dessas intenções expansionistas e nucleares dos chineses.

A resistência soviética ao projeto nuclear chinês provocou o fim das relações sino-soviéticas (o cisma sino-soviético) e iniciou o período de isolamento internacional da China.

Nessa fase de isolamento, Mao Tsé-tung realizou a Revolução Cultural, radicalizan­do o processo de aprofundamento do co­munismo. A economia foi fechada ao estrangeiro, dirigentes mais moderados do PC foram expurgados e desmoralizados, a ideologia do Estado chinês era imposta à força e controlada por organizações radicais de jovens maoístas.

Na década de 1970 a China e os EUA implementaram uma política de reaproximação (diplomacia triangular). Entre os acordos realizados pelos dois países, o mais importante foi a aceitação da China como membro do Conselho de Segurança da ONU, reconhecendo-a como uma potên­cia mundial (até então, a ONU reconhecia apenas Formosa como membro). No qua­dro político internacional, com a diploma­cia triangular dos EUA que restabelecia as boas relações com a China, a URSS tornou-se o grande inimigo da China.

Com a morte de Mao Tsé-tung em 1976 desenvolveu-se uma longa luta entre as cor­rentes do PC chinês. O segmento mais mo­derado, liderado por Hua Kuo-feng e Deng Xiaoping, saiu vitorioso, afastando do po­der o "Bando dos Quatro", entre os quais a viúva de Mao, Chiang-Ching.

Começou nesse período uma real aber­tura com o Ocidente, que se efetivou no governo de Zhao Ziang, após a renúncia de Hua Kuo-feng em 1980. A China mudou então sua política econômica interna e suas relações externas, permitindo até o ingresso de multinacionais. No final da década de 1980, URSS e China restabeleceram contatos políticos e comerciais.

Coréia

Desde o início deste século a Coréia foi um país ocupado por outras nações, principalmen­te por causa da sua localização estratégica no Extremo Oriente, entre a China e o Japão. Ela foi ocupada pelo Japão em 1905 e anexada for­malmente em 1910. Em 1945, após o final da Segunda Guerra, com a derrota japonesa no Oriente, foi ocupada pelos EUA e pela URSS

Em razão dos interesses soviéticos e norte-americanos na região, em 1948 a Coréia acabou dividida entre as duas superpotên­cias, tendo como limite o paralelo 38. Os EUA sustentaram a ordem capitalista na região ao sul, onde se estabeleceu a Coréia do Sul; a URSS apoiou o regime comunista da República Democrática Popular da Coréia do Norte.

Em 1950 a Coreia do Norte invadiu a do Sul, iniciando um conflito que durou até 1953. A Guerra da Coreia colocou em cam­pos opostos EUA e URSS, que apoiaram "indiretamente" as tropas do Sul e do Nor­te respectivamente, colocando em risco a po­lítica da Guerra Fria e inaugurando um tipo de estratégia que se tornaria comum ao lon­go das últimas décadas: o conflito indireto das duas superpotências em um terceiro país.

Indochina e Indonésia

A península da Indochina, composta por países como Vietnã, Camboja e Laos, foi uma colônia francesa, também ocupada pelo Japão na Segunda Guerra.

Após a guerra, um movimento de inde­pendência liderado por Ho Chi Minh liber­tou o norte do Vietnã, instaurando um governo comunista na cidade de Hanói. A região Sul foi devolvida à França, que não conseguiu deter as manifestações nacionalis­tas. Em 1946, a França reconheceu a inde­pendência do Vietnã do Sul e começou a guerra civil no Vietnã.

Somente em 1954, após o término dos conflitos internos, o Acordo de Genebra esta­beleceu a divisão do Vietnã no paralelo 17: ao sul a República do Vietnã do Sul (capital Saigon), pró-ocidental, e ao norte a República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte, capital Hanói), de perfil comunista. Nesse mo­mento a França reconheceu também a inde­pendência do Laos e do Camboja.

Contudo, a política das potências na re­gião era a de não perder posições e não permi­tir o avanço do inimigo. De acordo com essa estratégia, a oficialização no poder de um co­munista no Vietnã do Norte (Ho Chi Minh), em 1954, representava um desequilíbrio.

Assim, em 1960, procurando reverter suas posições no Extremo Oriente, apesar do desgaste na Guerra da Coreia, o governo norte-americano resolveu apoiar política e militarmente o Vietnã do Sul, dando início aos conflitos na região. O presidente John Kennedy não poupou ajuda financeira e militar aos sul-vietnamitas e seu sucessor, Lyndon Johnson, aumentou a "escalada mi­litar" no Vietnã.

Durante anos os EUA, através do Vietnã do Sul, procuraram derrubar o regime co­munista do Vietnã do Norte. A guerra atin­giu também o Laos e o Camboja, que foram ocupados pelos EUA e por guerrilhas nacio­nalistas e de esquerda. A força bélica e tec­nológica norte-americana sucumbiu diante da eficiente guerrilha vietcongue (guerrilhei­ros do Vietnã do Norte) e do apoio da po­pulação aos guerrilheiros. O acordo de paz foi negociado por Henry Kissinger em 1973, mas os conflitos se prolongaram até 1975 no Laos e no Camboja.

Os custos financeiros, materiais e so­ciais da guerra causaram enorme trauma na sociedade norte-americana. As reações in­ternas à guerra surgiram já em meados da década de 1960 e os problemas se avoluma­ram. Richard Nixon foi eleito em 1968, por exemplo, com a promessa de terminar a guerra. As derrotas militares e as pressões internas obrigaram os EUA a manter um outro tipo de posicionamento internacional, favorecendo o diálogo.

Os conflitos no Vietnã terminaram com a derrota e a retirada dos EUA, mas o país, mesmo unificado, continuou com sérios problemas políticos internos e com grande dificuldade para empreender a reconstrução.

A Indonésia, um arquipélago no sudeste da Ásia, foi uma colónia holandesa invadida pelo Japão durante a Segunda Guerra. No final do conflito, uma frente política nacio­nalista proclamou uma república indepen­dente, sob o comando de Achmed Sukarno. Inicialmente ela se aproximou da política de não-alinhamento, mas em 1965 o fortaleci­mento de movimentos de esquerda acarre­tou um sangrento golpe comandado pelo general Suharto, de posições pró-ocidentais.

A ÁFRICA

Os primeiros movimentos em favor da libertação dos países africanos se iniciaram no entreguerras, mas foi logo após o fim da Segunda Guerra que os processos emancipacionistas se multiplicaram por todo o continente.

É preciso levar em conta que a ocupação européia na África é bastante antiga e re­monta aos séculos XV e XVI. No século XIX ela foi toda dividida em possessões e colônias da Europa. Além disso, é preciso salientar que o continente é extremamente heterogêneo em termos étnicos, culturais e econômicos e isso se refletiu nos movimen­tos de libertação (o norte da África é branco e muçulmano e a África central essencial­mente negra). Esses movimentos se concen­traram basicamente em dois períodos, a década de 1960 e a de 1970.

Os movimentos de independência no norte da África começaram durante a déca­da de 1950, e seus resultados práticos surgi­ram nos anos 60. De modo geral eles se organizavam em frentes políticas e militares de combate aos países colonizadores eu­ropeus e mantinham perfil nacionalista, como no caso da Argélia (ocupada pela Fran­ça). Geralmente, depois do período de guer­rilha e luta contra as tropas européias, as diversas correntes políticas internas inicia­vam uma disputa pelo poder, colocando em risco a estabilidade política do país.

Após a independência ou o reforço das correntes nacionalistas, países importantes na região, como a Argélia (1962) e o Egito (1953), respectivamente, foram fundamen­tais para o desenvolvimento da política de não-alinhamento e de ações conjuntas en­tre nações terceiro-mundistas.

A África Negra

A África Negra é composta pela esmaga­dora maioria dos países do continente, com exceção apenas do Norte. Os processos e lutas de libertação nessa extensa área come­çaram no final da década de 1950, quando os países europeus já haviam se enfraquecido, e estenderam-se até a década de 1970, com a autonomia das colônias portuguesas.

A Inglaterra foi reconhecendo lentamen­te a independência de suas colônias de 1957 a 1965: Gana (1957), Nigéria (1960), Uganda (1962), Quênia (1963), Zâmbia (1964), Malavi (1964).

Outras colônias européias também se liber­taram nesse período e muitas delas passaram por graves conflitos internos, muitas vezes vin­culados às disputas entre as duas superpotências, como o Congo Belga, atual República Demo­crática do Congo. Os graves problemas econô­micos e sociais e as interferências políticas externas acabaram atrasando ainda mais o de­senvolvimento autônomo desses países, que continuam até hoje em situação de miséria.

Antiga colônia holandesa, depois ocupa­da pelos ingleses, rica em minério e pedras preciosas, adotou uma política de segregação racial que assumiu uma face legal e ins­titucional por meio do sistema do apartheid. Baseado na ideia de inferioridade racial dos negros, a maioria negra estava submetida a áreas preestabelecidas e a uma cidadania de segunda classe.

As antigas colônias portuguesas na Áfri­ca foram as últimas a conquistar a autono­mia. Guiné-Bissau, Moçambique e Angola chegaram à independência em 1974 e em 1975. Um fato importante que colaborou diretamente para esse processo foi a Revo­lução dos Cravos em Portugal, que termi­nou com o regime autoritário de Salazar.

Nesses países, após a independência, ocorreram guerras civis, em que as corren­tes opostas foram apoiadas pelas duas su­perpotências. As organizações vitoriosas aproximaram-se da URSS e os contra-revolucionários mantiveram-se com o apoio dos EUA ou da África do Sul. Em Angola e Moçambique, as lutas entre as correntes po­líticas permaneceram até a década de 1980.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

A BIPOLARIZAÇÃO DO PÓS-GUERRA

Após a Segunda Guerra, o mundo cristalizou algumas tendências que já haviam se manifestado no período entreguerras:

· como a guerra se concentrou basicamente na Europa, as perdas materiais e as dificulda­des econômicas para sua reconstrução levaram os países europeus à decadência definiti­va como potências mundiais;

· o conflito Leste-Oeste, produto do surgimento de duas superpotências eco­nômicas e bélicas que disputariam a hegemonia política e ideológica sobre o planeta (EUA, capitalista, e URSS, socia­lista), tornando o quadro político inter­nacional extremamente tenso até a década de 1980;

· crescimento da economia mundial ba­seado em incríveis transformações tecno­lógicas, que foram incorporadas ime­diatamente ao cotidiano das pessoas;

· e, finalmente, as desiguais relações Norte-Sul, isto é, houve a definição clara de uma ordem internacional com crescente distanciamento entre os países ricos (do Pri­meiro Mundo, grosso modo localizados no hemisfério norte) e os pobres (do Terceiro Mundo, em geral no hemisfério sul).

No fim da guerra a Europa se encontra­va completamente destruída: milhões de mortos, parques industriais e regiões agrí­colas arrasados, cidades desestruturadas, desemprego, dívidas enormes, economia instável e sérios problemas sociais.

Em contrapartida, mais uma vez os EUA saíram beneficiados com a guerra e estavam em condições de financiar a recuperação dos países destruídos pelo conflito. A URSS, com um forte exército e um papel determinante para a vitória sobre a Alemanha na Europa oriental, surgia como força política. Os acor­dos que estabeleceram a nova ordem mun­dial foram influenciados por essa realidade.

O primeiro acordo foi o da Conferência de lalta, que reuniu na cidade de lalta (URSS), em fevereiro de 1945, Roosevelt (EUA), Stalin (URSS) e Churchill (Ingla­terra), representantes dos três grandes paí­ses vitoriosos. Nesse acordo foram definidos os avanços das novas fronteiras soviéticas (Estados Bálticos e leste da Polônia) e sua influência na Europa oriental (Polônia, Romênia, Tchecoslováquia, Hungria, lugoslávia e Bulgária).

A segunda reunião dos três países ocor­reu em São Francisco (EUA), entre abril e junho de 1945, e nela foram criados a ONU e os organismos de cooperação internacio­nal. Cinquenta países participaram da or­ganização da ONU, decidindo que: da Assembleia Geral anual participam todos os países-membros; existe um órgão superior, o Conselho de Segurança, composto por cin­co membros permanentes (EUA, URSS, China, Inglaterra e França) com direito a veto, e dez membros rotativos eleitos a cada dois anos. Além disso, foram criados orga­nismos de cooperação mundial na área fi­nanceira — FMI e Banco Mundial (BIRD) — , do trabalho (OIT), alimentação e agri­cultura (FAO), educação, ciência e cultura (Unesco), etc.

Na verdade, a ONU serviu durante anos de órgão legitimador da política externa dos EUA, que sempre podiam garantir a susten­tação de suas posições na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança.

A próxima conferência mundial ocorreu em Potsdam (Alemanha), em julho de 1945, e definiu a divisão da Alemanha e da capital (Berlim) em quatro áreas a serem ocu­padas por França, Inglaterra, EUA e URSS. O objetivo principal era a ocupação para a "desnazificação" e a recuperação da Alemanha. Entre­tanto, a partir desse acordo se eviden­ciou a nova correlação de forças mundial: na região a oeste da Alema­nha, os países capitalistas ocidentais, e no leste, a URSS. Essa conferência deu início à Guerra Fria e à divisão entre Alemanha Ocidental (RFA — capi­talista) e Oriental (RDA — socialista), formalmente estabelecida em 1949. Como Berlim ficava no leste da Alemanha, a cida­de também foi dividida em duas áreas, Oes­te (capitalista) e Leste (socialista).

Esses acordos do pós-guerra estabelece­ram o novo mapa geopolítico da Europa, dividindo-a em dois blocos, que sobrevive­riam até o final da década de 1980: de um lado a expansão e o fortalecimento da URSS e, conseqüentemente, do socialismo, na parte oriental; na ocidental, um bloco de países capitalistas.

A Doutrina Truman e o Plano Marshall

Após a Conferência de Potsdam, a bipolarização começou a tomar corpo, pois os avanços e o fortalecimento da URSS na Europa podiam criar uma série de dificul­dades para o capitalismo e os EUA. A política norte-americana, então, começava a mudar.

Em discurso no Congresso americano (1947), o presidente Truman traçou as li­nhas gerais da nova política externa dos EUA: conter a URSS e o comunismo e assumir a liderança na "defesa" intransigen­te do Ocidente, da democracia e do capi­talismo.

O desdobramento imediato da Doutri­na Truman foi a concretização do Plano Marshall (1947). Graças à colaboração eco­nômica e financeira dos EUA, os países eu­ropeus foram reconstruídos, reequilibraram suas economias e voltaram a crescer. Inter­namente houve também um grande esforço dos europeus para reconstruir seus países e implantar a democracia.

Esse intenso trabalho de recuperação conjunta da Europa no pós-guerra acabou redundando na criação de alguns acordos e tratados internos. Em 1957 foi assinado o mais importante deles, o Tratado de Roma. que criou a Comunidade Econômica Euro­peia (CEE).

A Guerra Fria

A influência soviética na Europa orien­tal logo após a guerra foi vista com temor por W. Churchill, que criou em 1946 o cé­lebre conceito de "cortina de ferro" para identificar os países europeus sob o poder da URSS.

Definia-se na Europa a formação de um bloco capitalista ocidental, favorável aos EUA, e de uma aliança de países na região oriental, vinculada à URSS. Gradativamente esse quadro político se reproduziria por todo o planeta, dividindo-o em dois blocos geo-políticos (Oeste x Leste) e ideológicos (ca­pitalismo x comunismo).

O clima de cooperação internacional surgido no imediato pós-guerra começa­va a ruir. Cada vez mais, os EUA e a URSS preparavam-se para isolar o "inimigo" e para o enfrentamento. Por isso, nesse qua­dro tenso de bipolarização, os dois países iniciaram uma verdadeira corrida armamentista, desenvolvendo principalmente a tecnologia atômica para uso militar, ou seja, as armas nucleares.

Assim, EUA e URSS desencadeavam uma nova forma de conflito: como as duas superpotências nucleares não podiam se con­frontar militarmente, sob pena de se autodestruírem, os dois países iniciaram uma ''guerra fria", um imenso jogo político em que eles estabeleciam as regras e alianças ou então sustentavam indiretamente guerras em todas as partes do planeta.

Com a radicalização das posições, os EUA criaram em 1949 a OTAN (Organi­zação do Tratado do Atlântico Norte), um pacto militar entre os países da Europa ca­pitalista ocidental e a América do Norte. A OTAN organizou, sob a liderança norte-americana, um exército conjunto e pontos estratégicos destinados à ação militar.

De seu lado a URSS criou, para se con­trapor ao Plano Marshall, o Comecon (1949), uma espécie de conselho econômi­co voltado para a integração e o desenvolvi­mento do bloco socialista. Em 1955 formalizou um pacto militar que já existia de fato entre os países do Leste europeu: o Pacto de Varsóvia.

Alguns fatos de ordem externa e interna colaboraram para radicalizar o clima políti­co internacional. No plano externo vários acontecimentos colocaram os EUA e a URSS em campos opostos. Esse tipo de conflito das superpotên­cias em um terceiro país se repe­tiria inúmeras vezes em diversos continentes.

Esse cenário internacional tenso teve reflexos na ordem política in­terna dos dois países. Na década de 1950 houve nos EUA o fortalecimen­to de posições mais conservadoras, desencadeando ações como o macartismo, uma verdadeira "caça às bruxas" a supostos "esquerdistas" coman­dada pelo Comitê contra as Atividades Antiamericanas, liderado pelo senador Joseph MacCarthy.

A Coexistência Pacífica

Inúmeros fatos ocorridos nas décadas de 1950 e 1960 levaram as superpotên­cias a uma nova relação, que deveria esta­belecer a convivência "pacífica" entre os dois países.

A morte de Stalin em 1953 e a ascensão de Nikita Kruschev, novo secretário-geral do PCUS, foram muito importantes porque produziram algumas mudanças na URSS. Kruschev denunciou no XX Congresso do PCUS (1956) os crimes e desmandos de Sta­lin, criando um constrangimento interna­cional entre os comunistas e, conseqüentemente, dissidências nos PCs e novas correntes socialistas.

Além disso, ele iniciou uma pequena abertura para o diálogo e negociações com o Ocidente capitalista, que apontava para a necessidade da convivência pacífica. Na­quela oportunidade ele afirmou a necessi­dade de uma política de coexistência pacífica.

Sua política também se voltou para o chamado Terceiro Mundo, deslocando o eixo geopolítico para América Latina, Áfri­ca e Ásia.

Todavia, apesar da sensível mudança, a URSS não abria mão da hegemonia e, so­bretudo, do controle do bloco comu­nista. Suas relações com o Leste europeu se mantiveram (Pacto de Varsóvia) duras e intervencionistas: quaisquer manifestações de autonomia ou flexibilização dos regimes comunistas na região foram fortemente reprimidas, como na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968).

Nos EUA também ocorreram fa­tos importantes que modificaram suas relações com a URSS. Em 1953 foi elei­to o general Eisenhower, que iniciou uma tí­mida política de relaxamento das relações entre os dois países. No entanto, temendo o avanço comunista na Ásia, os EUA procura­ram algumas alianças bilaterais na região para contê-lo. Segundo essa política, qualquer de­sequilíbrio de poder levaria todo o continente para a influência soviética e chinesa, e, por isso, era preciso manter esse poder a todo custo. Entretanto, muitas vezes a guerra indireta foi a alternativa para tentar resolver os conflitos na região (como no Vietnã e na Coréia).

A eleição do líder do Partido Democra­ta John F. Kennedy, em novembro de 1960, também anunciava um passo importante para a distensão política entre os dois paí­ses, pois o novo presidente dos EUA tinha ideias e posições mais liberais. Mas as ex­pectativas de uma política de distensão logo desapareceram por causa de três aconteci­mentos que colocaram em perigo a coexis­tência pacífica:

· a invasão da baía dos Porcos (1961) — Logo após a Revolução Cubana, que ins­taurou um regime comunista na ilha, agentes da CIA (órgão de informação e espionagem norte-americano) e exilados cubanos desembarcaram em Cuba para derrubar o governo de Fidel Castro, mas foram derrotados.

· o problema dos mísseis nucleares (1962)— O governo Kennedy descobriu a ins­talação de mísseis nucleares soviéticos em Cuba, ameaçando a segurança dos EUA, o que gerou uma das crises mais graves da década, abalando as relações entre as duas superpotências.

· a construção do Muro de Berlim (1961)— Como já sabemos, a cidade de Berlim estava dividida em duas áreas: a ociden­tal (capitalista) e a oriental (comunista); em razão do contexto internacional e para impedir as fugas da parte oriental, foi construído um muro com 166 km de ex­tensão, fato que piorou ainda mais o clima entre os EUA e a URSS.

John Kennedy foi assassinado em no­vembro de 1963; Lyndon Johnson termi­nou seu mandato com uma política de "escalada militar" no Vietnã. Nas duas elei­ções seguintes (1968 e 1972) foi eleito o republicano Richard Nixon, que manteve a política de coexistência pacífica e iniciou a retirada das tropas norte-americanas do Vietnã.

No início da década de 1970, Nixon e seu chanceler Henry Kissinger ampliaram a política de distensão, implementando uma política de aproximação com a China, apro­veitando o rompimento dos chineses com a URSS (também conhecida como diploma­cia triangular — EUA, URSS e Chiaa). Vá­rios encontros foram mantidos, mas somente em 1979 os dois países restabe­leceram oficialmente as relações diplo­máticas. Nesse meio tempo Nixon foi obrigado a renunciar (1974) por causa do escândalo Watergate (assessores e agentes próximos ao presidente se envolveram em trama de espionagem em torno do Partido Democrata; o episódio revelou um grande esquema de corrupção na máquina admi­nistrativa dos EUA).

Além dos fatores vinculados diretamente às relações entre URSS e EUA, outros países começavam a despontar como potên­cias nucleares. A tecnologia da energia nu­clear e, principalmente, da bomba atômica já era conhecida por Inglaterra (detonou pela primeira vez uma arma nuclear em 1952), França (1960), China (1964) e, mais tarde, pela índia (1974), criando um imen­so arsenal de armas nucleares no planeta.

O período da coexistência pacífica per­mitiu a elaboração de acordos bilaterais e a retomada das relações diplomáticas entre os dois países; as conferências de cúpula entre a URSS e os EUA foram produto dessa nova situação internacional.

Nessas conferências, por exemplo, houve o reconhecimento do grande arse­nal mundial de armas nucleares e sua in­finita capacidade destruidora. Por isso, iniciou-se uma tímida política de contro­le das armas nucleares mediante acordos bilaterais, como nos planos SALT l (1972) e 2 (1979), ou multilaterais, como o Tratado de Moscou (1963) e o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (1968).

As iniciativas de caráter geral impedi­ram ou dificultaram, de um lado, a transfe­rência de tecnologia nuclear para qualquer país; de outra parte, permitiram que o po­der bélico e destrutivo continuasse concen­trado nas mãos de poucos países. Os acordos bilaterais acabaram gerando mais tarde a po­lítica de desarmamento desenvolvida na dé­cada de 1980 e concretizada parcialmente pelo secretário-geral do PCUS naquela épo­ca, Mikhail Gorbachev.

Na passagem da década de 1950 para a de 1960 as disputas entre URSS e EUA chegaram ao espaço. No final da década de 1950 os dois países começaram a financiar de maneira maciça a produção de tecnologia para grandes pro­jetos espaciais. Surgiram nesse processo centros de pesquisas espaciais, como a NASA (EUA — 1958), e projetos como o soviético Lunik e o norte-americano Apollo, que lançaram satélites e sondas ao espaço.

A corrida espacial foi freada durante a década de 1980; os pesados investimentos espaciais diminuíram bastante em razão da falta de resultados práticos e especialmente por causa dos problemas econômicos inter­nacionais e internos dos dois países.


O PERÍODO ENTREGUERRAS: MOVIMENTOS TOTALITÁRIOS

O totalitarismo como uma forma de domínio político sistemático e permanente começou a se manifestar em alguns países da Europa ocidental e oriental entre o final da década de 1920 e o início de 1930. Diferente dos outros tipos de governos autoritários e ditatoriais, o totalitarismo é uma forma de domínio político historicamente nova. Ele não pretende apenas desestabilizar a capacidade política dos homens e da sociedade, isolando-a da vida pública, como sempre fizeram os go­vernos autoritários de várias características e vertentes ao longo da história. Seus objetivos são mais profundos, graves e obscu­ros, pois além de interferir na vida pública, ele quer destruir os próprios grupos e insti­tuições que formam as relações privadas do homem, isolando-o e tornando-o um estra­nho para si mesmo e para o outro. Assim, penetra no cotidiano das pessoas e da socie­dade e, sobretudo, na natureza humana para transformá-la, através da trágica combina­ção entre perseguição ideológica e terror, estabelecendo o medo e a submissão.

O totalitarismo explica e determina a história baseado na convicção de que detém a verdade absoluta e a certeza total. Desta forma, suas análises não dependem de comprovação e verifica­ção, pois a verdade e as leis da evolu­ção histórica dão "legitimidade" às suas ações e explicações. Pode, portan­to, criar um mundo fictício e coerente, justamente baseado nas normas que ele mesmo criou. Tais princípios são im­postos de forma sistemática e incansável por recursos "modernos" de propaganda utili­zados para o convencimento das massas. To­davia, o verdadeiro objetivo da propaganda autoritária não é a simples persuasão, mas a organização viva da massa que mantém vivo e sustenta o regime. Quando a propaganda não resolve, os instrumentos de terror e per­seguição entram em ação para convencer e resguardar os ideais da "nova sociedade e do novo homem" e, em última instância, do regime. Nesses casos, a polícia secreta tem papel fundamental e determinante. Por isso, como afirma a filósofa alemã Hannah Arendt, "nos países totalitários, a propagan­da e o terror parecem ser duas faces da mes­ma moeda".

Em regimes totalitários, o poder deve estar obrigatoriamente concentrado e ser monopolizado por uma pessoa ou um par­tido único. Geralmente coexiste uma dupla autoridade, que ultrapassa a simples visão de uma estrutura monolítica: a do Partido e a do Estado. Além da confusão que se esta­belece entre as duas instituições (por exem­plo, o PCUS e o Partido Nacional Socialista Alemão são identificados, respectivamente, com o Estado soviético e o Estado nazista), outros problemas emergem dessa relação.

Em muitas ocasiões existe até uma duplici­dade de funções (por exemplo, o secretário-geral ou presidente do partido é o chefe do Estado), chegando a casos extre­mos, como a criação de órgãos no interior do Partido Nazista com funções adminis­trativas semelhantes às do Estado. Em. consequência, muitas vezes o partido se sobrepõe ao Estado, questionando sua au­toridade.

Além da duplicidade, o poder no Esta­do totalitário é fortemente personalizado (Hitler, Mussolini e Stalin, por exemplo). É na figura do ditador que o totalitarismo se realiza plenamente. Ele é o chefe do Es­tado, do Partido e da polícia secreta; é de­tentor da verdade histórica e conhece as normas e princípios que a sociedade deve aceitar; conhece e reconhece os inimigos, reais e fictícios, do Estado e da "nova socie­dade". Ele é, portanto, o centro de todo o poder.

Finalmente, uma característica típica dos Estados totalitários nesta fase do início do século é seu nítido expansionismo. O que está em jogo é o domínio total mundial, seja em favor do surgimento de uma nova raça ou na instauração de uma nova sociedade. Portanto, a chegada ao poder significa tam­bém ir para além das fronteiras nacionais, conquistar "aliados" e nações.

Após a década de 1940, o conceito de totalitarismo foi revisto e alargado, justa­mente para tentar compreender suas nuances e especificidades históricas. Alguns autores perceberam que nas diversas experiências históricas o terror, o partido, o Estado, o líder, etc., assumem papéis e pe­sos diferenciados. Perceberam que, apesar dos pontos de confluência, o totalitarismo no fascismo italiano era diferente do exis­tente na URSS de Stalin. Também a pers­pectiva internacionalista do nazismo era profundamente diversa do stalinismo. De qualquer modo, o conceito de totalitarismo tornou-se fundamental para compreender­mos a história política do século XX, pois os regimes totalitários foram uma experiên­cia histórica relevante e que deixou uma marca pesada e trágica nas experiências hu­manas contemporâneas.

Trataremos a seguir de duas experiên­cias históricas totalitárias bastante impor­tantes neste século: o fascismo italiano e o nazismo alemão.

A ITÁLIA

Os problemas deixados pela guerra na Itália foram enormes: milhares de mortos, devastação de algumas regiões, paralisação da produção industrial e agrícola, inflação e desvalorização da lira.

O quadro econômico e social estava bas­tante crítico no pós-guerra. As indústrias do Norte, por exemplo, recuperaram-se timi­damente, graças a empréstimos estrangeiros que aumentaram a dívida externa. No cam­po político internacional, o Tratado de Versalhes não havia beneficiado a Itália, e isso reforçava as posições nacionalistas (la­tentes desde o século XIX).

A crise aumentava, criando um clima de tensão no meio rural e urbano. No campo explodiram inúmeras revoltas de campone­ses. Nas cidades a classe operária organiza­va greves, às vezes acompanhadas de violências e saques.

As insatisfações implicaram, na década de 1920, o crescimento eleitoral dos parti­dos de esquerda — o Socialista, o Comu­nista e o Popular (de orientação católica) — e do número de sindicalizados na CGT (Central Geral dos Trabalhadores).

O crescimento dos movimentos grevistas e da "esquerda" assustava a burguesia os setores mais conservadores da Itália. Como esses segmentos também não acre­ditavam na capacidade do governo para solucionar os problemas, começaram a apoiar um movimento nacionalista de ex­trema direita, disposto a usar até a vio­lência para acabar com as greves e revoltas: o fascismo.

Em 1919 surgiu um movimento deno­minado Fascio di Combatimento (feixes de combate) para combater o avanço da esquer­da e das revoltas, e seus simpatizantes fica­ram conhecidos como fascistas. Seu líder era um ex-militante do Partido Socialista, Benito Mussolini.

O movimento agregava todos os insa­tisfeitos com a crise econômica e social: mi-seráveis, classe média nacionalista e até a alta burguesia. Os setores mais conserva­dores da Itália viram nos fascistas a melhor alternativa para combater o avanço da es­querda, como havia ocorrido nas eleições de 1919. Por isso, eles prepararam-se para as eleições de 1921, que foram muito vio­lentas e permitiram a eleição de alguns de­putados fascistas, entre eles Mussolini. No fim de 1921 Mussolini criou o Partido Nacional Fascista (PNF).

O confronto entre os fascistas e os mo­vimentos populares evidenciava-se. Em agosto de 1922 a CGT e as esquerdas orga­nizaram uma greve geral contra a crise e a violência fascista, que proliferava pelas ruas com os bandos fascistas armados espancan­do e matando líderes políticos e sindicais.

Mussolini retrucou exigindo que o fraco governo mantivesse a ordem. Como decor­rência da fraqueza do governo, em outubro os fascistas, vestidos de camisas pretas, rea­lizaram uma marcha sobre Roma. O rei Vítor Emanuel II também não teve con­dições de conter os fascistas e chamou Mussolini para compor o novo governo.


Nesse primeiro governo Mussolini com­pôs uma maioria fascista, mas aceitou a par­ticipação de nacionalistas e liberais. No governo, o líder fascista forma um poder mi­litar paralelo, reforçando o papel dos "ca­misas negras" como uma espécie de milícia de elite. A violência contra as oposições es­tava, portanto, institucionalizada.

Em 1924 ocorreu mais uma violenta cam­panha eleitoral, com a vitória dos fascistas. As denúncias das oposições sobre fraudes não foram apuradas. Um deputado do Partido So­cialista (Giacomo Matteotti) foi assassinado pelos fascistas, iniciando uma crise política. Mussolini dirigiu-se à Câmara dos De­putados, em 1925, proferindo um discurso em que justificava o crime e as violências. Ao mesmo tempo baixou leis de exceção, fortalecendo seus poderes; além disso, dissolveu partidos de oposição e sindicatos, fechou jornais, exilou, pren­deu e matou oposicionistas (entre eles o famoso teórico e militante comunista António Gramsci), restringiu os pode­res do Legislativo e acabou com as li­berdades individuais.

O Estado fascista conseguiu se estabele­cer, como já vimos, graças à profunda crise política, econômica e social vivida pela Itá­lia. Sua característica inicial mais acentua­da era o autoritarismo, evidenciado nas inúmeras leis arbitrárias baixadas por Mussolini.

Durante seu governo, o autoritarismo ganhou dimensões mais amplas, chegando ao totalitarismo: a Câmara dos Deputados perdeu sua função, tanto que em 1938 ele a substituiu pela Câmara dos Fascios e Corporações; as liberdades de imprensa e in­dividuais foram suspensas; foi criada uma polícia política (OVRA). Enfim, a socieda­de civil estava completamente oprimida e desarticulada, pois o Estado totalitário pro­curava controlar a vida individual e social de todos os italianos.

No plano econômico, o Duce (chefe) pro­curou desenvolver a produção industrial e agrícola, renegociar a dívida externa, valori­zar a lira, e ainda criou o Banco da Itália. O Estado assumiu o comando da economia, interferindo nas decisões de inves­timentos e nas relações trabalhistas.

Nesse último sentido, o Estado fascista teve características corporativistas. Ele ten­tou intermediar as relações entre capital e trabalho, permitindo a formação de corpora­ções de trabalhadores e empresários (o Es­tado seria o árbitro dos conflitos). A maior expressão desse corporativismo foi a Carta dellavoro (1927).

O Estado fascista teve ainda mais duas características importantes: o culto à perso­nalidade de Mussolini e o expansionismo. Em 1936, por exemplo, avançou sobre a Etiópia. Nessa mesma época aproximou-se da Alema­nha nazista, consolidando o pacto ítalo-alemão, e participou da Guerra Civil Espanhola.

Assim, a Itália fascista também se prepa­rava para um novo conflito militar na Eu­ropa.

A ALEMANHA

A Alemanha surgiu após a Primeira Guerra como a grande derrotada. Econo­micamente destruída, teve que se sujeitar às imposições dos vitoriosos, pagar pesadas indenizações e enfrentar problemas políti­cos e sociais internos.

Pouco antes do fim da guerra, os solda­dos que voltavam da frente de batalha se re­belaram contra o governo derrotado. As revoltas explodiram por todo o país, che­gando a Berlim e obrigando o rei Guilher­me II (Kaiser) a renunciar. A república foi proclamada logo em seguida, novembro de 1918, assumindo o governo provisório um social-democrata, Friedrich Erich.

Nesse período a Alemanha foi obrigada a assinar o Tratado de Versalhes (1919) e a crise econômica se agravou. Um grupo saí­do do Partido Social-Democrata fundou o Partido Comunista Alemão, que pregava a revolução socialista como a única alternati­va para sair da crise. Liderados por Rosa de Luxemburgo, eles tentaram, em 1919, to­mar o poder para implantar um Estado so­cialista (Revolução Espartaquista).

Apesar dos problemas sociais e políticos, o governo provisório havia convocado uma Assembleia Nacional Constituinte, em Weimar. A Constituição liberal, federalista e parlamentar foi aprovada e Friedrich Ebert, eleito presidente da República pela Assembléia; estava instaurada a República de Weimar.

O governo social-democrata não conse­guiu resolver os problemas econômicos e sociais mais urgentes do país. A miséria dos operários e da classe média se acentuava, a burguesia industrial não conseguia retomar seus investimentos e a produção agrícola continuava parada. Por isso, as oposições ao governo cresciam à direita e à esquerda: o operariado organizado pelos comunistas e socialistas tomava as ruas e fazia greves; os setores mais conservadores se organizavam temendo o crescimento das esquerdas. Mui­tas vezes esses grupos chegaram a se con­frontar nas ruas.

Durante os anos 20 a Alemanha apro­fundaria sua crise econômica e o clima po­lítico se radicalizaria ainda mais.

Em 1923 a França invadiu o vale do Ruhr como forma de penalizar a Alemanha, que não estava conseguindo pagar as reparações de guerra. A invasão criou uma grande insa­tisfação na Alemanha e causou sérios pro­blemas econômicos, pois tratava-se de uma região industrial. A inflação atingiu índices alarmantes, desvalorizando profundamente a moeda alemã, a tal ponto que l dólar era trocado por 8 bilhões de marcos. A alta inflacionária foi seguida de desemprego, fome e miséria.

Aproveitando o quadro de extrema ins­tabilidade política e econômica, em novem­bro de 1923, um grupo de extrema direita liderado pelo general Lüdendorff e por Adolf Hitler tentou um golpe em Munique, que foi imediatamente reprimido. Nesse perío­do Hitler era apenas um líder em ascensão do Partido Nacional Socialista Operário Alemão, cuja origem estava no Partido dos Trabalhadores Alemães, criado em 1919.

Por causa do golpe, Hitler foi punido com cinco anos de prisão, mas só cumpriu alguns meses. Na prisão ele escreveu Mein Kampf (Minha luta), expondo as ideias que se tornariam, mais tarde, referência teórica dos nazistas.

A partir de 1924 a situação da Alema­nha sofreu algumas alterações que aponta­vam em um sentido positivo. A economia começou a se recuperar, principalmente em virtude dos empréstimos norte-americanos e ingleses. A indústria retomou o crescimen­to e a oferta de empregos se estabilizou.

No plano político, a social-democracia conseguia se manter no poder e as rebeliões e greves diminuíam. Nas eleições de 1928 os partidos Social-Democrata e Comunista alcançaram 42% dos votos, e Hermann Müller assumiu o governo com um gabine­te de esquerda.

Todavia, esse quadro não permaneceria por muito tempo, pois a crise econômica mundial (Crise de 29) refletiu-se de manei­ra trágica na Alemanha. A economia voltou à estagnação, o desemprego retornou, a in­flação subiu novamente, a produção agríco­la decaiu e as greves voltaram. Como consequência, o governo social-democrata caiu em 1930 e assumiu Bruning, um polí­tico conservador e monarquista que levaria a República de Weimar ao fim.

Na esteira da crise mundial e interna, o nazismo se reforçava eleitoralmente e de maneira contraditória entre as parcelas mais ricas e as mais miseráveis.

Nas eleições de 1932 a vitória foi de Hindenburg, mas Hitler ganhou em Esta­dos importantes, conseguindo grande nú­mero de deputados. Por isso, Hindenburg convidou Hitler para o cargo de primeiro-ministro, dando-lhe a responsabilidade de compor o novo governo.

Em janeiro de 1933 ele forma um novo governo com maioria de direita. Hitler ten­tou de todas as maneiras centralizar o poder em suas mãos. No mês de fevereiro ocorreu um incêndio no Parlamento (Reichstag), atri­buído propositalmente aos comunistas. Esse era o pretexto para o governo desencadear violenta repressão contra a esquerda e os mo­vimentos populares. Medidas de emergência fecharam os partidos de esquerda; as liberda­des de imprensa e individual foram suspensas.

Novas eleições ocorreram em março de 1933, em um clima de tensão, repressão e falta de liberdade. A vitória, obviamente, foi dos nazistas: 17 milhões de votos, con­tra 7 milhões da social-democracia e quase 5 milhões dos comunistas.

Com a morte de Hindenburg, Hitler as­sume também a Presidência, concentrando todos os poderes da Alemanha.

Com o poder nas mãos, iniciou a for­mação do III Reich: o Parlamento e os par­tidos foram fechados; foi criada a Gestapo (polícia secreta); a economia foi controlada pelo Estado, que implantou também o tra­balho obrigatório em algumas regiões e setores produtivos.

Em 1935 foi aprovada a lei racial deter­minando que os judeus eram considerados "raça inferior"; por isso foram perseguidos e expurgados dos empregos públicos, em meio a um grande movimento anti-semita. O Ministério da Propaganda teve papel im­portante nessa doutrinação.

No Estado nazista, o Ministério da Educação do Povo e da Propaganda, co­mandado por Joseph Goebbels, foi res­ponsável pela formação, doutrinação e consolidação da ideologia. As formulações teóricas de Goebbels e sua capacidade de manipular os movimentos de massa foram determinantes para o sucesso da propagan­da nazista (formulações utilizadas mais tarde no desenvolvimento da propaganda comercial).

Os meios de comunicação eram contro­lados pelo Estado e passavam uma imagem forte, positiva e realizadora de Hitler e do na­zismo. Além disso, a propaganda oficial centrava suas atenções em outras questões; no racismo, proclamando a superioridade da raça ariana sobre as outras e perseguindo os judeus; no anticomunismo radical; no nacio­nalismo alemão; na formação nazista da ju­ventude; na melhoria de vida dos trabalha­dores, etc.

O Führer (chefe, guia) comandava tudo através de um Estado onipresente, das SS e da Gestapo, seus braços armados. Assim, Hitler reforçava sua imagem e obtinha o apoio das massas e da grande burguesia na­cional, que financiava suas iniciativas.

Com a consolidação do Estado nazista, Hitler iniciou uma política expansionista na Europa. Antes, porém, ele reforçou a indús­tria bélica, instituiu o serviço militar obri­gatório e fez uma pesada doutrinação nacionalista.

Inicialmente anexou a Áustria, em 1938; em 1939 invadiu a Tchecoslováquia, assi­nou um pacto com a Itália fascista e o pacto de não-agressão com a URSS; além disso, reivindicou nesse mesmo ano territórios da Polônia, que acabaria sendo invadida. Sua política externa agressiva terminou levando a Europa à Segunda Grande Guerra. Em 1939 as tropas nazistas realizaram uma es­pécie de preparação para a Grande Guerra, interferindo militarmente na Guerra Civil Espanhola.

A GUERRA CIVIL ESPANHOLA

Em 1931 a monarquia espanhola foi derrubada e proclamada a república. O go­verno transitório, liderado por Alcalá Zamora, realizou uma série de reformas: com uma Constituição de caráter liberal, se­parou a Igreja do Estado, assegurou a liber­dade religiosa, fez uma reforma agrária.

Apesar do novo governo republicano e das reformas, os conflitos na Espanha con­tinuaram: explodiram greves gerais e os mo­vimentos separatistas (bascos e catalão) fortaleceram-se. A esquerda se organizou em torno dos partidos socialista e comunista.

Nas eleições de 1936, republicanos, so­cialistas e comunistas uniram-se em torno da Frente Popular e chegaram à vitória. O governo, com maioria de esquerda, anistiou os presos políticos, retomou a reforma agrá­ria e tentou uma reforma educacional.

Alguns conflitos de rua continuaram, articulados principalmente pela direita. Num deles um líder direitista foi morto, dando motivo para uma guarnição do exér­cito, comandada pelo general Francisco Franco, rebelar-se. Estava começando a Guerra Civil Espanhola.

De um lado estava a Falange, liderada por Franco e apoiada pelos grandes latifun­diários e pela alta burguesia, que contava ainda com o apoio de Hitler e Mussolini. Do outro lado estavam as forças que defen­diam a democracia; para defendê-la o governo republicano organizou um exército popular, composto de camponeses, operá­rios e estudantes, que contou com a colabo­ração militar da URSS e das Brigadas Internacionais (voluntários de outros paí­ses que foram lutar na Espanha).

Nessa guerra, a Alemanha e a Itália de­ram muita ajuda à Falange e chegaram a tes­tar novos armamentos e táticas, realizando uma espécie de ensaio para a Segunda Guer­ra Mundial. Além disso, a Inglaterra e a França se mantiveram distantes da guerra civil, avaliando-a como um simples confli­to interno.

Franco e a Falange derrotaram os repu­blicanos em março de 1939, constituindo um governo fascista, conhecido como franquista, que duraria até o final da déca­da de 1970.


verno republicano organizou um exército popular, composto de camponeses, operá­rios e estudantes, que contou com a colabo­ração militar da URSS e das Brigadas Internacionais (voluntários de outros paí­ses que foram lutar na Espanha).

Nessa guerra, a Alemanha e a Itália de­ram muita ajuda à Falange e chegaram a tes­tar novos armamentos e táticas, realizando uma espécie de ensaio para a Segunda Guer­ra Mundial. Além disso, a Inglaterra e a França se mantiveram distantes da guerra civil, avaliando-a como um simples confli­to interno.

Franco e a Falange derrotaram os repu­blicanos em março de 1939, constituindo um governo fascista, conhecido como franquista, que duraria até o final da déca­da de 1970.