América Latina: das oligarquias agrárias ao populismo
O imperialismo manifestou-se na América Latina diferentemente de na Ásia e na África, pois não houve ocupação territorial; o domínio se realizou através da influência política e econômica. O trágico passado colonial, aliado às dificuldades internas dos países após a independência e aos interesses do capitalismo internacional, impunham ao continente centro e sul-americano um processo de desenvolvimento marginal e dependente do capitalismo.
Durante todo o século XIX a hegemonia nos países latino-americanos foi da Inglaterra e, no século XX, transferiu-se para os EUA. A América Latina integrou-se ao quadro político internacional, no pós-guerra, como região sob influência definitiva dos EUA.
As estruturas de poder na América Latina, sobretudo na América do Sul, permaneceram até meados deste século vinculadas aos interesses de uma elite agrária (oligarquias).
Na virada das décadas de 1930/1940 essas formações políticas entraram em crise basicamente por duas razões: a Crise de 29, que desestabilizou as economias agrário-exportadoras (base do poder oligárquico) e a rápida industrialização e urbanização.
Com a consolidação da estrutura urbano-industrial, novos segmentos sociais se fortaleceram: a burguesia industrial, a classe média e o operariado. As cidades tornaram-se mais importantes economicamente que o campo e passaram a ser habitadas por uma incrível massa humana (principalmente em razão do êxodo rural) sem condições decentes de vida, vulnerável aos discursos, demagógicos e populistas.
Assim, os movimentos, partidos e líderes populistas nascem e se desenvolvem nas cidades, e seus discursos e práticas dirigem-se à grande massa urbana, especialmente ao operariado. O exagerado nacionalismo, a idéia do desenvolvimento industrial e a tutela sobre as leis sociais de defesa e os segmentos mais pobres e humildes da sociedade fazem parte do populismo; o carisma pessoal e a demagogia fácil são também características dos seus líderes.
E interessante notar que o populismo na América do Sul, apesar de não conscientizar e de desarticular a classe operária, teve influência e se reproduziu nos movimentos de esquerda do continente (populismo de esquerda).
Apesar dessas características gerais, o populismo assume em cada país uma face diferente. Na América Latina tivemos inúmeros exemplos de governos populistas: Getúlio Vargas (1930-45 e 1951-54) e João Goulart (1961-64) no Brasil; Juan Domingo Perón (1946-55) na Argentina; Víctor Paz Estenssoro (1952-56 e 1960-64) e Siles Zuazo (1956-60) na Bolívia; José M. Velasco Ibarra (1934-35, 1944-47, 1956-61 e 1968-72) no Equador; e Lázaro Cárdenas (1934-40) no México.
A América central e as revoluções na América
Na virada do século a América Central tornou-se área de influência direta dos EUA. Esse quadro político de submissão aos interesses norte-americanos produziu, nesses países, situações políticas e econômicas internas bastante graves de opressão, subdesenvolvimento e miséria. Esse panorama desfavorável era propício para o surgimento de movimentos com forte conteúdo nacionalista, que acabaram se manifestando em quase todos os países centro-americanos.
De maneira geral, quando os movimentos ou governos nacionalistas surgiram na América Central, o tratamento dos EUA para a questão seguiu basicamente duas linhas:
• contra os movimentos populares, a forte repressão interna e às vezes até a intervenção direta de tropas norte-americanas;
• contra governos reformistas e nacionalistas, eram articulados golpes de Estado apoiados pelos EUA; foi assim, por exemplo, na Guatemala (1954) e na República Dominicana (1965).
Uma demonstração da política norte-americana intervencionista na região foi a situação criada
A Revolução Mexicana
As origens da Revolução Mexicana somente poderão ser compreendidas a partir de análises que levem em conta tanto a situação histórica latino-americana da segunda metade do século XIX, como as contradições e particularidades da sociedade mexicana.
Foi nesse período que ocorreu a formação do Estado nacional baseado em princípios liberais e comandado por uma elite criolla. No entanto, os contrastes entre a pregação política de cunho liberal e o exercício do poder pela elite eram evidentes. O Estado agiu no sentido de consagrar e legitimar as diferenças sociais e políticas entre a elite criolla e os camponeses. Além disso, apesar do caráter unificador do Estado e da Constituição de 1857, o poder local continuou exercendo forte pressão e presença na sociedade mexicana.
A economia mexicana continuava mantendo seu caráter agrario-exportador. Sua produção estava concentrada nas atividades de plantação de cana-de-açúcar, fumo, café e sisal; havia também uma produção artesanal de cerâmica, tecidos, etc. Essa situação política e econômica mantinha a sociedade mexicana, composta na sua imensa maioria por camponeses, distante da cidadania política e da posse da terra, dificultando a sobrevivência dos mais pobres.
Na década de
As grandes diferenças sociais e econômicas já existentes agravaram-se, acentuando as contradições. A posse da terra concentrou-se ainda mais nas mãos dos grandes latifundiários. Ao mesmo tempo, o capital norte-americano e, em menor quantidade, o inglês começavam a penetrar na economia mexicana, de acordo com a lógica do capitalismo monopolista, fornecendo capital e tecnologia para o desenvolvimento de infra-estrutura. Assim, gradativamente, empresas estrangeiras começaram a dominar boa parte da economia mexicana, principalmente a exploração de petróleo e de minério, a construção de ferrovias, as telecomunicações, portos, etc., além de dinamizarem a agricultura. Essa injeção considerável de capital acabou modernizando a estrutura econômica do México.
A partir da década de 1910 começaram a despontar os movimentos mais organizados contrários a Porfirio Díaz. Francisco Madero, grande proprietário rural, liderou as primeiras manifestações anti-Porfirio, das quais participavam diversos setores sociais e que reivindicavam, basicamente, maior liberdade política. No entanto, aos poucos os movimentos foram ganhando forte conteúdo social em virtude dos graves problemas fundiários existentes no interior do país. Assim, os camponeses tornam-se os maiores protagonistas da luta contra o governo de Porfirio Díaz.
No final de 1910 as rebeliões camponesas espalharam-se por várias partes do país. sob o tema "Terra e Liberdade". No início de 1911 Porfirio Díaz renunciou, deixando o governo para Madero. Asilado na França. Díaz percebeu o aprofundamento e radicalização da revolução, e por isso vaticinou "Madero soltou o tigre, vamos ver se consegue cavalgá-lo".
Mesmo com a posse de Madero, os camponeses não recuaram nas suas reivindicações, que envolviam principalmente as questões em torno da posse da terra. Chefiados no sul por Emiliano Zapata e no norte por Francisco "Pancho" Villa, os rebeldes aterrorizavam latifundiários, muitas vezes ocupando e dividindo a terra à força. Os pontos essenciais de uma reforma agrária e da nacionalização da economia mexicana foram expostos por Zapata no Plano de Ayala: devolução das terras às comunidades indígenas, divisão de l /3 das terras dos latifúndios, fundação de um banco agrícola, confisco das terras dos anti-revolucionários, etc.
Temerosa com os destinos do movimento, parte da elite mexicana uniu-se ao governo norte-americano para contê-lo. Em 1913, Madero foi deposto e assassinado por Victoriano Huerta. Como os EUA não puderam controlar o novo presidente, ajudaram a depô-lo em 1914, sendo substituído por Carranza, que assumiu o poder com o compromisso de estabelecer uma nova Constituição. Em
Contudo, os conflitos entre o avanço das reformas e os interesses internos e externos em contê-las mantiveram-se presentes na vida política mexicana. Os fatos que mais evidenciaram esses conflitos foram os assassinatos de Zapata, em 1919, e de Pancho Villa, em 1923, e as pressões dos EUA, que ameaçavam com intervenção armada.
Durante a década de 1920 os problemas políticos permaneceram, mas em 1933 Lázaro Cárdenas colocou em prática muitas das propostas de reforma agrária de Zapata. A partir desse momento, o México começou a se modernizar.
As duas décadas de conflitos e rebeliões no México produziram um processo político interessante e exemplar para toda a America Latina. A Revolução Mexicana foi a primeira grande rebelião social vitoriosa que teve forte participação popular; porém, com o tempo caminhou, principalmente a partir da década de 1930, para a formação de governos populistas de fortes tendências nacionalistas, tão comuns no continente nesse período.
A Revolução Cubana
A Revolução Cubana foi o primeiro movimento que conseguiu resultados positivos contra a hegemonia norte-americana no continente. Livre do domínio espanhol desde 1898, Cuba sempre foi tutelada pelos EUA, alternando governos submissos aos seus interesses. Na realidade, a ilha foi juridicamente um protetorado norte-americano até 1934, quando foi revogada a Emenda Platt.
A organização da produção açucareira pelas empresas norte-americanas resultava na completa submissão da elite cubana aos interesses dos EUA. A maioria da população cubana era de origem rural, mas não tinha nenhum acesso à posse da terra e vivia em precárias condições de sobrevivência. Durante as décadas de 1930/40, a ilha viveu repleta de violência, corrupção, desmandos e instabilidade política.
Em 1952 Fulgêncio Batista (homem com muito poder no país desde a década de 1940 — foi presidente entre 1940/44) chegou ao poder por um golpe, montando uma estrutura de governo autoritária e corrupta. Durante sua administração começou a se organizar um grande movimento guerrilheiro nacionalista liderado pelos irmãos Fidel e Raul Castro, por Cienfuegos e Che Guevara. Depois de inúmeras lutas, a guerrilha nacionalista unida ao partido comunista chegou à vitória, em janeiro de 1959.
Logo após a consolidação de seu governo, Fidel Castro aproximou-se da URSS buscando apoio contra os EUA. Os EUA procuraram reagir à revolução em Cuba realizando um bloqueio econômico (1959) e um golpe frustrado da CIA (a invasão da Baía dos Porcos, em 1961). A derrota americana fortaleceu Fidel, que acabou aderindo totalmente à URSS, transformando Cuba
Em 1962 houve a crise dos mísseis. O governo de John Kennedy identificou bases de mísseis soviéticos em Cuba, que ameaçavam os EUA e a paz mundial. A tensão internacional foi desfeita com a retirada dos mísseis. Em seguida, Cuba foi afastada da OEA e reforçou seus laços com a URSS, tornando-se a única área de influência soviética no continente americano.
Apesar de Fidel tentar construir um socialismo com características diferentes, o Estado centralizou as iniciativas econômicas, os partidos políticos foram extintos e o culto à personalidade esteve presente. Porém, em relação à realidade latino-americana, as conquistas sociais cubanas elevaram o padrão de vida de seus habitantes.
As guerrilhas centro-americanas
Na década de 1970, os movimentos guerrilheiros na Nicarágua, El Salvador e Guatemala se fortaleceram.
Na Nicarágua, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (referência ao camponês e líder nacionalista Augusto César Sandino), após anos de luta, repressão e desgaste do governo, conseguiu derrubar o ditador Anastasio Somoza, em 1979. O governo de reconstrução nacional foi bem heterogêneo, composto por sandinistas, comunistas, católicos, moderados e proprietários. Esta grande frente governista não se manteve por muito tempo, permanecendo no poder as tendências mais à esquerda.
Apesar de o governo sandinista não se alinhar à URSS e procurar um modelo de desenvolvimento baseado na economia mista e na democracia, os EUA trataram de organizar os contra-revolucionários nos países vizinhos. Além do financiamento aos "contras" e ajuda técnico-militar, a Nicarágua também sofreu um boicote econômico.
O movimento dos "contras" não conseguiu se afirmar e foi repudiado internacionalmente. Em 1984, foram realizadas reeleições sem a participação do maior partido da oposição; venceu Gabriel Ortega, da FSLN. Ao contrário do que se imaginava, Ortega passou a presidência para Violeta Chamorro (União Opositora Nacional) após as eleições de 1990.
A vitória dos sandinistas motivou as guerrilhas