segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX

América Latina: das oligarquias agrárias ao populismo

O imperialismo manifestou-se na América Latina diferentemente de na Ásia e na África, pois não houve ocupação territorial; o domínio se realizou através da influência política e econômica. O trágico passado colonial, aliado às dificuldades internas dos países após a independência e aos interesses do capitalismo inter­nacional, impunham ao continente centro e sul-americano um processo de desenvolvi­mento marginal e dependente do capitalismo.

Durante todo o século XIX a hegemonia nos países latino-americanos foi da Inglaterra e, no século XX, transferiu-se para os EUA. A América Latina integrou-se ao quadro polí­tico internacional, no pós-guerra, como região sob influência definitiva dos EUA.

As estruturas de poder na América Latina, sobretudo na América do Sul, permanece­ram até meados deste século vinculadas aos interesses de uma elite agrária (oligarquias).

Na virada das décadas de 1930/1940 essas formações políticas entraram em crise basi­camente por duas razões: a Crise de 29, que desestabilizou as economias agrário-exportadoras (base do poder oligárquico) e a rá­pida industrialização e urbanização.

Com a consolidação da estrutura urbano-industrial, novos segmentos sociais se fortaleceram: a burguesia industrial, a clas­se média e o operariado. As cidades torna­ram-se mais importantes economicamente que o campo e passaram a ser habitadas por uma incrível massa humana (principalmen­te em razão do êxodo rural) sem condições decentes de vida, vulnerável aos discursos, demagógicos e populistas.

Assim, os movimentos, partidos e líde­res populistas nascem e se desenvolvem nas cidades, e seus discursos e práticas dirigem-se à grande massa urbana, especialmente ao operariado. O exagerado nacionalismo, a idéia do desenvolvimento industrial e a tu­tela sobre as leis sociais de defesa e os seg­mentos mais pobres e humildes da sociedade fazem parte do populismo; o carisma pessoal e a demagogia fácil são também caracterís­ticas dos seus líderes.

E interessante notar que o populismo na América do Sul, apesar de não conscientizar e de desarticular a classe operária, teve influên­cia e se reproduziu nos movimentos de esquer­da do continente (populismo de esquerda).

Apesar dessas características gerais, o populismo assume em cada país uma face diferente. Na América Latina tivemos inú­meros exemplos de governos populistas: Getúlio Vargas (1930-45 e 1951-54) e João Goulart (1961-64) no Brasil; Juan Domingo Perón (1946-55) na Argentina; Víctor Paz Estenssoro (1952-56 e 1960-64) e Siles Zuazo (1956-60) na Bolívia; José M. Velasco Ibarra (1934-35, 1944-47, 1956-61 e 1968-72) no Equador; e Lázaro Cárdenas (1934-40) no México.

A América central e as revoluções na América

Na virada do século a América Central tornou-se área de influência direta dos EUA. Esse quadro político de submissão aos interesses norte-americanos produziu, nesses países, situações políticas e econômicas internas bastante graves de opressão, subdesenvolvimento e mi­séria. Esse panorama desfavorável era pro­pício para o surgimento de movimentos com forte conteúdo nacionalista, que acabaram se manifestando em quase todos os países centro-americanos.

De maneira geral, quando os movimen­tos ou governos nacionalistas surgiram na América Central, o tratamento dos EUA para a questão seguiu basicamente duas li­nhas:

contra os movimentos populares, a forte repressão interna e às vezes até a interven­ção direta de tropas norte-americanas;

• contra governos reformistas e nacionalis­tas, eram articulados golpes de Estado apoiados pelos EUA; foi assim, por exem­plo, na Guatemala (1954) e na República Dominicana (1965).

Uma demonstração da política norte-americana intervencionista na região foi a situação criada em Porto Rico. Estado in­dependente com grande presença militar dos EUA desde o início do século, em razão de sua localização estratégica, em 1946 tornou-se um "Estado livre", mas associado aos EUA, perdendo, portanto, sua liberdade e autonomia.

A Revolução Mexicana

As origens da Revolução Mexicana so­mente poderão ser compreendidas a partir de análises que levem em conta tanto a si­tuação histórica latino-americana da segun­da metade do século XIX, como as contradições e particularidades da socieda­de mexicana.

Foi nesse período que ocorreu a forma­ção do Estado nacional baseado em princí­pios liberais e comandado por uma elite criolla. No entanto, os contrastes entre a pre­gação política de cunho liberal e o exercício do poder pela elite eram evidentes. O Esta­do agiu no sentido de consagrar e legitimar as diferenças sociais e políticas entre a elite criolla e os camponeses. Além disso, apesar do caráter unificador do Estado e da Cons­tituição de 1857, o poder local continuou exercendo forte pressão e presença na so­ciedade mexicana.

A economia mexicana continuava mantendo seu caráter agrario-exportador. Sua produção estava concentrada nas atividades de plantação de cana-de-açúcar, fumo, café e sisal; havia tam­bém uma produção artesanal de cerâmica, te­cidos, etc. Essa situação política e econômica mantinha a sociedade mexicana, composta na sua imensa maioria por camponeses, distan­te da cidadania política e da posse da terra, dificultando a sobrevivência dos mais pobres.

Na década de 1870, a política mexicana começou a ser dominada por Porfirio Díaz, um típico representante da aristocracia agrá­ria e latifundiária do México. Sua prolonga­da estada no poder (1876-1911) foi marcada por contrastes. O porfiriato se notabilizou pela ausência de liberdade política, em razão da ostensiva prática de fraudes e corrupção eleitoral, e pela marginalização da maioria da população (apenas 4% da população votava), o que lhe assegurava a constante recondução ao cargo de presidente.

As grandes diferenças sociais e econômi­cas já existentes agravaram-se, acentuando as contradições. A posse da terra concen­trou-se ainda mais nas mãos dos grandes latifundiários. Ao mesmo tempo, o capital norte-americano e, em menor quantidade, o inglês começavam a penetrar na econo­mia mexicana, de acordo com a lógica do capitalismo monopolista, fornecendo capi­tal e tecnologia para o desenvolvimento de infra-estrutura. Assim, gradativamente, empresas estrangeiras começaram a domi­nar boa parte da economia mexicana, prin­cipalmente a exploração de petróleo e de minério, a construção de ferrovias, as telecomunicações, portos, etc., além de di­namizarem a agricultura. Essa injeção con­siderável de capital acabou modernizando a estrutura econômica do México.

A partir da década de 1910 começaram a despontar os movimentos mais organi­zados contrários a Porfirio Díaz. Francis­co Madero, grande proprietário rural, liderou as primeiras manifestações anti-Porfirio, das quais participavam diversos setores sociais e que reivindicavam, basi­camente, maior liberdade política. No en­tanto, aos poucos os movimentos foram ganhando forte conteúdo social em virtu­de dos graves problemas fundiários exis­tentes no interior do país. Assim, os camponeses tornam-se os maiores protagonistas da luta contra o go­verno de Porfirio Díaz.

No final de 1910 as rebeliões campone­sas espalharam-se por várias partes do país. sob o tema "Terra e Liberdade". No início de 1911 Porfirio Díaz renunciou, deixando o governo para Madero. Asilado na França. Díaz percebeu o aprofundamento e radica­lização da revolução, e por isso vaticinou "Madero soltou o tigre, vamos ver se conse­gue cavalgá-lo".

Mesmo com a posse de Madero, os cam­poneses não recuaram nas suas reivindicações, que envolviam principalmente as questões em torno da posse da terra. Chefiados no sul por Emiliano Zapata e no norte por Francisco "Pancho" Villa, os rebeldes aterrorizavam la­tifundiários, muitas vezes ocupando e divi­dindo a terra à força. Os pontos essenciais de uma reforma agrária e da nacionalização da economia mexicana foram expostos por Zapata no Plano de Ayala: devolução das ter­ras às comunidades indígenas, divisão de l /3 das terras dos latifúndios, fundação de um banco agrícola, confisco das terras dos anti-revolucionários, etc.

Temerosa com os destinos do movimen­to, parte da elite mexicana uniu-se ao go­verno norte-americano para contê-lo. Em 1913, Madero foi deposto e assassinado por Victoriano Huerta. Como os EUA não pu­deram controlar o novo presidente, ajuda­ram a depô-lo em 1914, sendo substituído por Carranza, que assumiu o poder com o compromisso de estabelecer uma nova Constituição. Em 1916, a Assembléia Cons­tituinte reuniu-se pela primeira vez, e em 1917 a nova Constituição foi promulgada.

Contudo, os conflitos entre o avanço das reformas e os interesses internos e externos em contê-las mantiveram-se presentes na vida política mexicana. Os fatos que mais evidenciaram esses conflitos foram os assassinatos de Zapata, em 1919, e de Pancho Villa, em 1923, e as pressões dos EUA, que ameaçavam com intervenção ar­mada.

Durante a década de 1920 os problemas políticos permaneceram, mas em 1933 Lázaro Cárdenas colocou em prática mui­tas das propostas de reforma agrária de Zapata. A partir desse momento, o México começou a se modernizar.

As duas décadas de conflitos e rebeliões no México produziram um processo políti­co interessante e exemplar para toda a America Latina. A Revolução Mexicana foi a primeira grande rebelião social vitoriosa que teve forte participação popular; porém, com o tempo caminhou, principalmente a partir da década de 1930, para a formação de go­vernos populistas de fortes tendências nacio­nalistas, tão comuns no continente nesse período.

A Revolução Cubana

A Revolução Cubana foi o primeiro movimento que conseguiu resultados posi­tivos contra a hegemonia norte-americana no continente. Livre do domínio espanhol desde 1898, Cuba sempre foi tutelada pelos EUA, alternando governos submissos aos seus interesses. Na realidade, a ilha foi ju­ridicamente um protetorado norte-americano até 1934, quando foi revogada a Emenda Platt.

A organização da produção açucareira pelas empresas norte-americanas resultava na completa submissão da elite cubana aos interesses dos EUA. A maioria da popula­ção cubana era de origem rural, mas não ti­nha nenhum acesso à posse da terra e vivia em precárias condições de sobrevivência. Durante as décadas de 1930/40, a ilha vi­veu repleta de violência, corrupção, desman­dos e instabilidade política.

Em 1952 Fulgêncio Batista (homem com muito poder no país desde a década de 1940 — foi presidente entre 1940/44) chegou ao poder por um golpe, montan­do uma estrutura de governo autoritária e corrupta. Durante sua administração co­meçou a se organizar um grande movi­mento guerrilheiro nacionalista liderado pelos irmãos Fidel e Raul Castro, por Cienfuegos e Che Guevara. Depois de inú­meras lutas, a guerrilha nacionalista uni­da ao partido comunista chegou à vitória, em janeiro de 1959.

Logo após a consolidação de seu gover­no, Fidel Castro aproximou-se da URSS buscando apoio contra os EUA. Os EUA procuraram reagir à revolução em Cuba rea­lizando um bloqueio econômico (1959) e um golpe frustrado da CIA (a invasão da Baía dos Porcos, em 1961). A derrota americana fortaleceu Fidel, que acabou aderindo total­mente à URSS, transformando Cuba em um Estado socialista.

Em 1962 houve a crise dos mísseis. O governo de John Kennedy identificou bases de mísseis soviéticos em Cuba, que ameaça­vam os EUA e a paz mundial. A tensão in­ternacional foi desfeita com a retirada dos mísseis. Em seguida, Cuba foi afastada da OEA e reforçou seus laços com a URSS, tor­nando-se a única área de influência soviéti­ca no continente americano.

Apesar de Fidel tentar construir um so­cialismo com características diferentes, o Estado centralizou as iniciativas econômi­cas, os partidos políticos foram extintos e o culto à personalidade esteve presente. Po­rém, em relação à realidade latino-americana, as conquistas sociais cubanas eleva­ram o padrão de vida de seus habitantes.

As guerrilhas centro-americanas

Na década de 1970, os movimentos guerrilheiros na Nicarágua, El Salvador e Guatemala se fortaleceram.

Na Nicarágua, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (referência ao campo­nês e líder nacionalista Augusto César Sandino), após anos de luta, repressão e des­gaste do governo, conseguiu derrubar o di­tador Anastasio Somoza, em 1979. O governo de reconstrução nacional foi bem heterogêneo, composto por sandinistas, co­munistas, católicos, moderados e proprie­tários. Esta grande frente governista não se manteve por muito tempo, permanecendo no poder as tendências mais à esquerda.

Apesar de o governo sandinista não se alinhar à URSS e procurar um modelo de desenvolvimento baseado na economia mis­ta e na democracia, os EUA trataram de or­ganizar os contra-revolucionários nos países vizinhos. Além do financiamento aos "contras" e ajuda técnico-militar, a Nicarágua também sofreu um boicote econômico.

O movimento dos "contras" não conse­guiu se afirmar e foi repudiado internacional­mente. Em 1984, foram realizadas reeleições sem a participação do maior partido da oposi­ção; venceu Gabriel Ortega, da FSLN. Ao con­trário do que se imaginava, Ortega passou a presidência para Violeta Chamorro (União Opositora Nacional) após as eleições de 1990.

A vitória dos sandinistas motivou as guerrilhas em El Salvador e na Guatemala. Nos dois países os guerrilheiros se organi­zaram em frentes político-militares para combater os governos: a Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), em El Salvador, e a União Revolucionária Na­cional Guatemalteca (URNG). Com o go­verno Reagan apoiando esses governos, as guerrilhas retrocederam. Hoje, parte desses movimentos procura outras vias para che­gar ao poder.